O blogue "1969 Revolução Ressaca" foi criado com o intuito de disponibilizar livremente documentos do pré e pós revolução, com um foco especial nas organizações de extrema esquerda e no movimento estudantil.

Gualberto Freitas, a viver em Guimarães, era um estudante de 13 anos no liceu quando levou "com o 25 de Abril em cima, como o país inteiro".

Como muita outra gente, entrou rapidamente na atividade política e, também como muita outra gente, ganhou o hábito de recolher a documentação que distribuía - do MRPP - bem como dos adversários políticos.

O clima político acalmou, muitas das organizações desapareceram, mas manteve o hábito de ir recolhendo papéis e cartazes, disse à agência Lusa Gualberto Freitas, que há três anos decidiu criar o blogue, onde todos os dias disponibiliza a documentação que "saiu há 45 anos e há 40 anos", no dia em questão.

O na altura pequeno arquivo ficou parado durante uns tempos, mas desde o 25.º aniversário do 25 de Abril que o colecionador se dedicou à recolha, tratamento e digitalização da coleção que foi ganhando dimensão.

Hoje, contabiliza no arquivo digital 40 mil documentos e 200 mil páginas digitalizadas. No arquivo físico, em Guimarães, onde mora, serão 20 mil documentos, diz.

"As caves e os sótãos são grandes amigos. Os divórcios e as mudanças de casa também", contou à Lusa Gualberto Freitas.

Pela coleção, há milhares de cartazes, panfletos de um número infindável de organizações políticas (com especial foco para as de esquerda), coleções completas de jornais clandestinos e de publicações políticas no pós-25 de Abril.

A coleção que disponibiliza no blogue vai apenas de 17 de abril de 1969 (Crise Académica) a 12 de dezembro de 1979 e o seu interesse recai também principalmente nessa época.

"Os últimos cinco anos do fascismo, em que o movimento estudantil fica incontrolável, são riquíssimos em termos de organizações e materiais políticos. Com o 25 de Abril, explode. Vive-se política e há todo o tipo de cartazes e de jornais", nota, recordando que numa única unidade fabril poderia chegar a haver cinco ou seis jornais relacionados com organizações políticas diferentes.

Por dia, publica cinco a seis documentos, estando já quase 7.500 disponíveis no seu blogue, digitalizados e transcritos. O objetivo é chegar aos 12 mil a 15 mil documentos publicados.

Na coleção, destaca os documentos editados pelos partidos no dia 25 de Abril, bem como a 28 de setembro de 1974 e a 11 de março e 25 de novembro de 1975 (tentativas de golpe).

"No dia, as posições ainda não tinham tempo de ser adulteradas pela recomposição histórica que depois se faz dos acontecimentos", explica.

Sendo um arquivo focado em organizações de extrema esquerda, fica patente nos panfletos "grandes debates ideológicos, fusões e cisões dentro de organizações e o combate de umas contras outras", nota.

"É difícil hoje alguém compreender o grau de inimizade de gente que professava, em termos teóricos, exatamente a mesma coisa" e em que o debate ideológico é levado à minúcia.

"Parece quase um combate de seitas", constata Gualberto.

Para o colecionador, este "é um trabalho a tempo inteiro".

Questionado se faz este trabalho por carolice, Gualberto é perentório em dizer que não: "É por militância, que o espírito de militante é diferente do espírito do carola. A recolha dos papéis faz parte da minha maneira de estar na participação política e cívica".