"O problema da habitação não pode ser desligado do problema da discriminação e de um problema que é abrangente sobre direitos económicos e sociais", afirmou à agência Lusa Pedro Neto.

A Amnistia Internacional (AI) identificou as comunidades de descendência africana e ciganas como as mais frágeis em termos de habitação, resultado de serem populares vulneráveis que vivem em condições frágeis dentro da sociedade.

"Se o Estado, que tem de cuidar destes direitos mais básicos e essenciais, vai desalojar estas pessoas à força sem lhes oferecer uma alternativa que seja equivalente ou melhor do que aquela em que elas vivem, está a pô-las numa situação de ainda maior fragilidade", salientou.

No capítulo sobre Portugal do relatório 2017/18 da AI, recordam-se os avisos feitos num relatório publicado em fevereiro pela Relatora Especial da ONU para o direito à habitação condigna, Leilani Fahra, que exortou as autoridades portuguesas a priorizar a construção de casas para substituir bairros de lata e a garantir que despejos e demolições não resultam em sem-abrigo.

Por sua vez, o comissário europeu para os Direitos Humanos, Nils Muiznieks apelou em março à criação de novos programas de habitação social, preocupado com as condições dos agrupamentos de ciganos e outros grupos vulneráveis.

Um exemplo mencionado é o do Bairro 6 de Maio, no município de Amadora, onde muitos moradores de ascendência africana e cigana confessaram ter receio de serem despejados à força e de ver as suas casas demolidas.

Pedro Neto saúda a atenção política e mediática que tem sido dada à situação das pessoas sem abrigo, mas avisou: "Não estamos a cuidar a montante de pessoas que vivem no limiar da pobreza e que não se coloque em risco a possibilidade de elas também se tornarem sem abrigo".

A valorização do mercado imobiliário, sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, indicou, está a começar pessoas de outros estratos económicos para além daqueles que vivem na pobreza extrema, como pessoas com empregos estáveis, e que estão a encontrar dificuldade em suportar a pressão económica em termos de habitação.

"Aguardamos com ansiedade e expectativa positiva o trabalho da nova Secretaria de Estado da Habitação criada em 2017 para responder a estes problemas e veremos em 2018 o que acontece para garantir que não hajam pessoas em Portugal a sofrer a falta de habitação e ainda mais pessoas fiquem sem abrigo", salientou.

O relatório da Amnistia Internacional 2017/18 abrange 159 países e oferece uma análise abrangente sobre o estado dos Direitos Humanos à escala mundial.

Em Portugal, o relatório destaca ainda, na Amadora, o processo de que são alvo 18 agentes da polícia por maus-tratos a seis homens de ascendência africana em 2015, nomeadamente tortura, prisão ilegal, abuso grave de poder e outras ofensas agravadas por racismo.

A violência sobre os presos, as condições na prisão e prisão preventiva e a situação dos pacientes em unidades psiquiátricas portuguesas são também motivo de preocupação da Amnistia Internacional.

Outro tema referido no relatório é a forma como a violência contra as mulheres é vista em Portugal, sendo citados os processos disciplinares a juízes do Tribunal de Recurso do Porto que proferiram uma pena suspensa a dois homens condenados em 2015 por agredir uma mulher, alegando que "o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem".

Numa nota positiva, a organização aludiu à proposta de lei em discussão para aumentar a proteção dos direitos das pessoas LGBTI e a legislação aprovada que reforça a proteção contra a discriminação de pessoas com deficiências físicas e mentais.

A nível internacional, a Amnistia Internacional destaca a retórica de ódio presente no discurso de muitos líderes políticos como o presidente dos EUA, Donald Trump, e o risco de vulgarizar a discriminação contra minorias.

Pedro Neto admite que Portugal possa ser contagiado por este populismo, e aludiu à campanha de um candidato nas eleições autárquicas no ano passado que tentou usar linguagem xenófoba, apesar de não ter tido o sucesso que outros políticos têm tido em países como França, Hungria ou Alemanha.

Porém, o diretor executivo AI Portugal apontou para a mobilização civil pela defesa dos direitos humanos, como nos EUA, como a Marcha pelas Mulheres, o movimento Black Lives Matter e os protestos nos aeroportos que se seguiram a proibir a entrada de pessoas de vários países de maioria muçulmana.

"Há um equilíbrio: por um lado, quem devia liderar e dar o exemplo está a falhar com a promoção dos direitos humanos, mas as pessoas estão a mobilizar-se e a trabalhar para que esses direitos humanos sejam uma realidade", saudou.

Em Portugal, essa mobilização foi observada, por exemplo, nas críticas ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que confirmou em novembro do ano passado a pena suspensa dada a dois homens condenados em 2015 por agredir violentamente uma mulher com quem tinham tido uma relação.

"Há aqui uma questão de violência de género e uma situação de discriminação contra as mulheres. Na altura, este acordo foi bastante contestado por organizações da sociedade civil, por organizações de defesa dos direitos da mulher e a própria Amnistia fez um parecer e uma declaração sobre este assunto", recordou.

Pedro Neto está convencido de que "esta dinâmica e este trabalho da sociedade civil" contribuiu para que o Conselho Superior de Magistratura, que inicialmente se recusou a averiguar o caso veio mais tarde abrir um procedimento disciplinar.