Independentemente do que os protagonistas, os jornalistas ou a população possam achar – que se trata de um golpe ou não – há três possibilidades em cima da mesa.

Uma, Dilma é impugnada e o vice Michel Temer assume o seu lugar.

Duas, Dilma renuncia antes da impugnação e cai, juntamente com todo o Governo, havendo que marcar novas eleições.

Três, a impugnação não passa no legislativo (Câmara e Senado) e Dilma rearranja o elenco governativo com os partidos que lhe permanecerem fieis.

É na terceira hipótese que Dilma aposta. Se na Câmara 342 deputados, num total de 513, disserem sim à impugnação, o processo sobe ao Senado que, todos dizem, o validará. Agora, se apenas 172 deputados disserem não, ou se abstiverem, o processo pára na Câmara. E Dilma consegue seguir em frente.

Para se salvar, a Presidente precisa, pura e simplesmente, de garantir votos. E é o que tem feito nestes dias, literalmente comprando-os, ou seja, trocando-os por favores e sinecuras e vantagens. O pagamento em dinheiro vivo também não está excluído, se bem que esse seja por baixo da mesa – uma mesa sem toalha, à vista de todos, mas de qualquer maneira não oficial.

As moedas legais são a oferta de ministérios e cargos nos escalões do Governo, emendas ao Orçamento para benefícios nos redutos eleitorais dos deputados, promessas de ajuda nos tribunais para os entalados nos processos judiciais e posições na miríade de empresas estatais e demais organismos do aparelho governativo.

Para perceber melhor como funciona este mercado, é preciso ter em conta que estão representados no Congresso 23 partidos. Sim, vinte e três. O mais importante numericamente é o PMDB (não confundir com o PSDB), que fez parte de todos os governos desde a democratização do Brasil. Segue-se o PT, que precisamente se coligou com o PMDB e mais alguns para ter a maioria. Mas Michel Temer, o vice-Presidente, acaba de "desembarcar" o PMDB do comboio governamental. Porquê? Porque se Dilma for impugnada ele ocupará a presidência.

Muito estranhamente, mas com toda a normalidade neste universo com leis próprias, a saída do PMDB da coligação não levou à demissão de todos os seus ministros. Alguns preferiram apostar em Dilma, a troco de, pelo menos, continuarem ministros – mas neste desespero da senhora, muito mais há-de ter sido oferecido. O que interessa é que com a saída de parte do partido parceiro na coligação, Dilma ficou com muitos lugares para comprar outros amigos. Afinal, só ministros no executivo, são 39. Sim, trinta e nove.

A coisa não está fácil. Hoje a oposição parece mais perto de conseguir os 342 votos a favor do impeachment do que o Governo os 171 contra. Dilma está a recorrer a partidos como o PTN, PHS, PSL, PEN e PT do B, que juntos têm 32 deputados. Depois há os partidos considerados da "segunda divisão", que juntos ainda somam 146 deputados.

As negociações decorrem a céu aberto, assim como na Feira da Ladra. Já se sabe, por exemplo, que Valdemar Costa Neto (PRB), condenado a sete anos de prisão pelo "mensalão", será agraciado com o Ministério de Minas e Energia. Na bolsa informal de valores do Clube da Falsa Felicidade, o outro nome dado ao Congresso, está a pagar-se R$ 400 mil ao deputado que se abstenha. Aquele que votar contra, recebe R$ 1 milhão.

Mas isso é hoje, à medida que a data se aproxima, os preços devem subir.

A segunda hipótese seria Dilma renunciar. O jornal de referência "Folha de São Paulo", que nunca foi a favor da impugnação, na semana passada passou a ser a favor da renúncia. O editorial "Nem Dilma nem Temer" afirma que a presidente perdeu as condições de governar o país e, por isso, deve renunciar. O texto defende ainda que Michel Temer renuncie também, para que possam ser convocadas novas eleições. É uma mudança importante, uma vez que o jornal reflecte o ponto de vista do grande empresariado de São Paulo.

No dia seguinte Dilma veio logo dizer no Facebook que não renuncia de maneira nenhuma. Ainda tem alguns dias para negociar, e uma carteira de activos recheada.

Já Temer, que está numa situação delicada para os seus interesses, recusou comentar. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), também metido num processo de corrupção, não abriu a boca.

O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), que ainda é uma figura de referência na politica brasileira, é a favor da renúncia: "Há algum tempo eu pedi a ela publicamente que, em um gesto de grandeza, propusesse ao Congresso algumas medidas básicas para o país e oferecesse sua renúncia. Por que haveria de aceitar hoje o que ontem negou? Sem a renúncia da presidente, como pedir ao vice que faça o mesmo?". Nesse cenário, diz FHC, "só resta insistir no impeachment". E, se por meios inescrupulosos a Câmara ceder ao governo, caberá ao TSE julgar se há provas para invalidar as eleições de 2014."

Fica a terceira hipótese, que parece cada vez mais remota, de Dilma ganhar no Congresso. Mas a possível vitória do Governo nem mesmo pelo PT será comemorada. Há pedidos de impeachment na fila da Câmara. A Justiça examina a impugnação da chapa Dilma-Temer por uso de dinheiro sujo. E agrava-se a maior recessão económica que o país já conheceu desde o início do século passado. As ruas estão cada vez mais agitadas. Como irá Dilma enfrentar a situação com um Governo constituído por restos comprados ao desbarato?

Por outro lado, o impeachment da "Presidenta" também não resolverá os problemas do país, uma vez que Temer será um mero instrumento num governo de coligação muito desconexo e a prazo. A única e remota hipótese que o vice de Dilma tem de fazer alguma coisa é não ser candidato à reeleição, que é precisamente o seu sonho. Mas isso já é um cenário posterior, outras negociações

Por ora, o que está na mesa é este jogo. Façam as vossas apostas.