A importância da alimentação biológica está cada vez mais presente na sociedade e quem o diz são os comerciantes deste tipo de produtos, que procuram diversificar a oferta para atender às necessidades dos consumidores. Aberto há cerca de um ano, o Biomercado, no Saldanha, em Lisboa, alia a vertente de supermercado com a de restaurante, uma ideia inovadora que, segundo o diretor do espaço, Pedro Lobo do Vale, "tem atraído muita gente".

"A primeira adesão foi pela grande curiosidade. As pessoas queriam perceber se gostavam ou não e hoje temos clientes semanais e outros que até vêm todos os dias, até pelo restaurante. Nota-se que as pessoas gostam do espaço", afirmou. Pedro Lobo do Vale sublinhou também que a ideia de que os produtos biológicos são muito mais caros não corresponde bem à realidade.

"As pessoas assustam-se muito com o preço dos produtos biológicos, mas não é tanto assim. Há casos em que nem há diferença nenhuma, sobretudo nos produtos hortícolas. Hoje em dia os preços são muito similares e até dentro dos produtos biológicos, há também aqueles mais acessíveis a todas as bolsas", frisou.

Ainda assim, o diretor da cadeia de supermercados Bio reconhece que "o preço é ainda um dos principais fatores que afastam algumas pessoas", embora constate que "dão mais valor à qualidade em determinados produtos".

"Habitualmente, os novos consumidores biológicos começam pelas frutas e legumes e vão depois lentamente entrando noutras famílias e experimentando novos produtos. O que notamos é que nos dias de hoje esse processo é muito mais rápido. As pessoas, cada vez mais, prezam a qualidade de vida que, neste caso, pode ser melhorada ao consumir biológico, e para isso estão dispostas a pagar um valor mais elevado", acrescentou.

Apesar de reconhecer que a sociedade tem cada vez mais presente os valores sustentáveis da alimentação, João Henriques, da Biovivos, alerta para a necessidade de mudar "o sistema mental" e procurar "alimentos mais locais e que tiveram o menor impacto no planeta, eliminando o consumo de carne, laticínios e açúcar, sobretudo". "O que eu quero comer é comida sem veneno e barata e isto devia ser acessível a toda a gente", acrescentou.

A ausência de químicos nos produtos da terra, recorrendo-se a uma agricultura sustentável, e a ausência de hormonas ou vestígios de antibióticos nos animais são apontados como os principais benefícios do consumo biológico e, por isso, Pedro Lobo do Vale defende que "a concorrência honesta é saudável".

Governo quer apoiar  "um crescimento sustentável"

Face à procura e à oferta existente, o Governo comprometeu-se com a apresentação de uma Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica tendo criado  um grupo de trabalho responsável pela sua elaboração e por colocar em execução um plano de ação para a produção e promoção de produtos biológico. Entre 2 a 30 de setembro de 2016 decorreu uma consulta pública para ampliar a discussão sobre o assunto e o plano que deveria ter sido apresentado até ao fim de outubro do ano passado, está previsto vir a público no próximo mês de março.

“A definição de uma estratégia política nacional para a agricultura e produção biológica, com o objetivo de apoiar um crescimento sustentável deste modo de produção através de medidas e ações adequadas às exigências da oferta e da procura atuais, é uma aspiração dos operadores que se dedicam a esta atividade e constitui um objetivo do Governo e do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, convergindo para objetivos da estratégia Europa 2020 e da Política Agrícola Comum (PAC), no âmbito da política de qualidade dos produtos agrícolas e géneros alimentícios”, sustenta a tutela.

Para o presidente da Associação Portuguesa de Agricultura Biológica (Agrobio),Jaime Ferreira, esta deve ser antes de mais uma oportunidade para se fazer o “essencial levantamento de dados” sobre o setor em Portugal: “Há dados sobre a superfície agrícola e o número de produtores, mas para quem queira instalar-se como agricultor biológico é importante ter dados relativos ao valor da produção, ao comércio, a como é que está o mercado ou a quais são os produtos a apostar”.

O orçamento de Estado deste ano deu já aos produtores um sinal positivo ao contemplar um  benefício fiscal nos gastos com certificação de produções biológicas. Está igualmente prevista a existência em cada direção regional de agricultura do país de dois técnicos com formação específica em agricultura biológica. “Mas é preciso fazer muito mais”, defende Jaime Ferreira.

“Quando sair a estratégia nacional e, sobretudo, o plano com ações concretas a desenvolver nos próximos cinco anos, com algum investimento associado a essas medidas, penso que está dado um passo muito importante. Indicativo, mas muito importante para as instituições”, considerou.

É que, diz, embora seja “muito relevante” que “pela primeira vez um Governo português tenha colocado no seu programa a criação de um plano de ação e de uma estratégia” para o setor, falta “ver essa prioridade operacionalizada” no terreno através de uma estratégia concreta.

A este propósito, Jaime Ferreira considera importante que se aproveite para tornar “o sistema mais transparente para o consumidor”, disponibilizando informação adicional sobre a certificação e os intervenientes no setor, por exemplo, criando “uma espécie de cadastro” no ‘site’ do ministério [da Agricultura] com as empresas que estão a produzir produtos biológicos e referência a eventuais problemas detetados na sua atividade.

Paralelamente, a Agrobio defende inclusão no plano nacional para o setor de “apoios diretos para a agricultura biológica, nomeadamente ao nível da conversão, que é o período mais difícil para quem se quer instalar em agricultura biológica, devido à necessidade de fazer face à adaptação e à mudança”.

Globalmente, o presidente da associação afirma-se “otimista” com a evolução futura da agricultura biológica, que diz ser “o único setor agrícola onde se sente que há margem para crescer e onde todos os dias há contactos” de interessados em se lançar na atividade, na sua maioria jovens agricultores, mais conscientes dos desafios e exigências acrescidos deste tipo de agricultura.

À procura de um estilo de vida com saúde

Pedro Lobo do Vale, do Biomercado, considera que "tudo o que seja fomentar uma alimentação com menos químicos, mais genuína, é extremamente saudável". Opinião partilhada pelo  diretor-geral da cadeia de supermercados Brio, António Alvelos, que confirma a tendência de as pessoas estarem cada vez mais preocupadas em manter um estilo de vida com saúde e sobretudo em manter uma alimentação que seja sustentável.

"Cada vez mais os consumidores demonstram preocupação com os possíveis efeitos colaterais causados pela alimentação, como sejam a doença das vacas loucas, a gripe das aves, os alimentos geneticamente modificados, ou o malefício dos pesticidas e antibióticos. Neste sentido, a procura por uma alternativa tem sem dúvida aumentado, levando ao crescimento do consumo de produtos biológicos", sustentou.

O Brio, segundo António Alvelos, registou um considerável crescimento nos últimos três anos e vê a concorrência de lojas especializadas "muito saudável para o negócio e para continuar a expandir o conceito biológico".

Sob o mesmo princípio, João Henriques dedica-se há três anos à Biovivos, "superalimentos vivos, biológicos e sustentáveis", produzidos na sua estufa, em Carnaxide, num sistema de cultivo eficiente com painéis solares e, sempre que possível, com entregas em bicicleta.

"Desde 2003 que desenvolvo sistemas de agricultura e durante dez anos ninguém conhecia os termos, pareciam ideias utópicas, mas desde 2014, que foi o ano internacional da agricultura familiar, parece que tudo isto fez sentido e aquilo que eram ideias loucas no passado passaram a fazer ideias muito coerentes", sustentou.

Já com uma lista superior a 15 restaurantes, os Biovivos (erva trigo, de ervilha e de girassol) são entregues ao domicílio, em todo o país, para muitos atletas preocupados com uma alimentação saudável, mas também para atender doentes oncológicos.