“A comissão [que realizou a auditoria interna] não aponta para que exista nenhum crime nem nenhuma ilegalidade grave. O que acontece é que o concurso poderá ter sido prejudicado, na [vertente da] livre concorrência, pela forma como o projetista se portou desde o início”, disse à agência Lusa o vereador das Finanças do município, João Paulo Saraiva.

O autarca ressalvou que os resultados da auditoria ao processo não apontam “matéria suficiente para enviar ao Ministério Público”, mas indicou que “o senhor presidente [o socialista Fernando Medina] decidiu fazê-lo para o Ministério Público ver se há matéria para investigar”.

Em setembro do ano passado, a Câmara de Lisboa anulou o concurso da Segunda Circular e abriu um inquérito para averiguar eventuais conflitos de interesses, detetados pelo júri do procedimento, por parte de um projetista que também comercializa a mistura betuminosa que iria ser usada no piso.

A comissão de inquérito, constituída por Luís Machado (em representação da Ordem dos Engenheiros) e por Isabel Tomás e Tatiana Santos Silva (do departamento jurídico do município), começou a averiguação no final do ano passado para dar resposta a três questões.

Em relação à primeira, se o projetista era, à data do concurso, o fornecedor do aditivo RAR que iria ser usado para o piso, a comissão responde que “não suscitam dúvidas” que o projetista (Consulpav) era fabricante deste ativo, mas podia não ser o único, segundo o relatório a que a Lusa teve acesso.

Sobre a outra questão, centrada na atuação do projetista na fase de respostas às empresas interessadas no concurso, a comissão considera que “a Consulpav, ao ter prestado esclarecimentos da forma como fez, tendo sempre como referência o RAR […] colocou em crise os aventados princípios da concorrência e da igualdade”.

Por ser produtora e fornecedora do RAR em Portugal, a Consulpav poderá ter influenciado “o seu favorecimento”, nota.

A comissão acrescenta que “fica demonstrado que o comportamento do projetista […], atendendo à forma como atuou na prestação de respostas aos pedidos de esclarecimentos, limitou ou condicionou as propostas apresentadas pelos concorrentes”.

Já quanto ao facto de o fornecedor do produto em causa ser ou não exclusivo, a comissão conclui que o produto RAR (ou RARX, como é vendido em Portugal) “nunca surge dissociado” da Consulpav, ainda que não seja possível “comprovar, com absoluta certeza, o exclusivo desta empresa quanto ao seu efetivo fornecimento”.

No mesmo relatório, datado de junho passado, a comissão recomenda à Câmara que, em futuros concursos, tenha “uma participação nos processos que não se limite à de aceitação, sem crítica técnica e processual, do que sejam as propostas feitas pelos projetistas contratados” e as analise “rigorosamente”.

O vereador das Finanças disse ainda à Lusa que estes resultados “corroboram e aprofundam as conclusões a que o júri [do concurso] chegou e que fundamentaram a decisão da Câmara” para anular o procedimento.

Falando sobre a requalificação da Segunda Circular, João Paulo Saraiva entendeu ser “uma necessidade”, mas adiantou que a autarquia só irá concretizar o projeto no próximo mandato.