"Não conheço ninguém que pensasse que a campanha do referendo de 23 de junho seria tão amarga e maldosa como está a ser", disse, em entrevista recente à AFP, o escritor britânico e membro da Câmara dos Lordes, a câmara alta do Parlamento britânico. Quando questionado sobre se os ataques entre líderes conservadores têm alguma semelhança com sua obra "House of Cards", Michael Dobbs responde, sorrindo, "a ficção política é muito simples: você agarra a realidade e a suaviza".

Dobbs escreveu "House of Cards", um romance sobre chantagens, violência e ambição no Parlamento ('Houses of Parliament') há 30 anos, após uma disputa com a então primeira-ministra Margaret Thatcher, de quem foi chefe de gabinete. A sua obra inspirou a série de televisão americana homónima, que se tornou a primeira grande estrela  do Netflix, e em que Kevin Spacey interpreta o político impiedoso Frank Underwood, que não se detém diante de nada na sua ambição para chegar ao poder.

Dobbs, que é produtor executivo da série, escreveu, no início do ano, um artigo em nome de Underwood, no qual defendeu a saída do Reino Unido da União Europeia porque é "como uma passagem de autocarro usada". Em entrevista às portas do palácio de Wesminster, o escritor de 67 anos insistiu em que a UE está "quebrada" e que a única solução é partir. "Se estamos num grande navio que vai de encontro a um iceberg, e tem 28 capitães no leme, poderia dizer-se que tem gente a mais na ponte de comando", afirmou, numa alusão aos 28 membros da UE.

"O status quo não significa estabilidade", acrescentou, lembrando os refugiados às portas da Europa, a ameaça do presidente russo, Vladimir Putin, e os problemas na Eurozona. Depois de o governo grego ter aprovado, na segunda-feira, mais medidas de austeridade em troca de recursos da UE, Dobbs alertou: "Quanto tempo podemos continuar a infligir esta dor, esta dor terrivelmente injusta a um país como a Grécia antes que quebre?"

Críticas duras a Obama

O seu apoio à saída da UE é contrária à posição do primeiro-ministro conservador, David Cameron, um amigo que o nomeou para a Câmara dos Lordes em 2010, mas Dobbs alinha com uma parte significativa do partido. A campanha tem sido marcada por duros confrontos entre conservadores, mais divididos sobre o tema do que os trabalhistas, ao ponto de parecer que "estão a atirar bolas de críquete".

Dobbs, que já viu como o partido se dilacerou pela Europa quando era vice-presidente dos conservadores, no final dos anos 90, disse que ver todo esse clima de regresso o faz sentir "muita pena". "Quanto mais se alongar, maior dano haverá e mais difícil será depois unir o partido", afirmou.

O escritor acusou, ainda, as duas partes de dizerem "verdadeiros disparates", mas reservou as suas críticas mais duras ao presidente americano, Barack Obama, que advertiu que o Reino Unido iria "para o final da fila" nas negociações comerciais, se deixar a UE. "É bastante ofensivo. Não me recordo de o presidente americano nos dizer que fôssemos para o final da fila quando estávamos juntos, a ajudar na libertação da Europa em 1944", afirmou.