A La Factoría é uma unidade de negócio dentro do grupo Prisa - detentora de publicações como El País, Cinco Días, As, Huffington Post (Espanha) ou Tentaciones - dedicada ao branded content e ao content marketing. Simplificando, dedica-se à produção de conteúdos à medida das marcas, em diversos formatos, apoiando-se numa equipa que integra jornalistas, designers, especialistas em marketing digital, redes sociais e em dados. É uma agência de publicidade? Não.

“Ao vender branded content temos muitas vezes de saber dizer não”, diz Amirola, salientando que este tipo de abordagem, que tem por base conteúdo editorial, não serve às empresas que desejam ver o seu nome referido quatro vezes na mesma peça. “Algumas marcas não estão preparadas para fazer branded content”, reconhece a diretora editorial de La Factoría, sendo que isso não invalida a necessidade de as desafiar para tal, apresentando soluções e alternativas.

Nascida nos anos 1990 para produzir uma revista de entretenimento mensal para o Canal+, a La Factoría sofreu uma transformação digital em 2005. Depois de algumas lições - dois fornecedores acabaram por contratar a sua própria equipa de jornalistas poucos meses depois de recorrerem à La Factoría, por exemplo - a empresa reforçou a equipa para ganhar competências técnicas e, dessa forma, aumentar a sua proposta de valor.

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Hoje, La Factoria considera-se uma especialista em ecossistemas de conteúdo. O seu método: analisar as necessidades de uma marca, estudar o público-alvo, desenhar a estratégia de conteúdo, contar uma história, “empacotar” esse conteúdo para os diferentes formatos, medir e reportar resultados, e melhorar com base nisso, sem nunca perder de vista a qualidade do conteúdo, motor de toda a estratégia. Na raiz da sua atuação estão “os standards de qualidade das marcas de media do grupo Prisa".

Mas, na prática, o que anda esta unidade de jornalistas, criativos, programadores e analistas a fazer? Amirola dá alguns exemplos, a começar pelo site de tecnologia TLife.guru.

O BBVA chegou à La Factoría com o objetivo de comunicar uma marca que aposta na inovação e que tem como vocação facilitar a vida às pessoas. A resposta surgiu na forma de um site de tecnologia, alimentado por uma equipa de jornalistas especializados e com o compromisso de apenas 10% do conteúdo estar relacionado com produtos do banco. “Poderia existir a tentação de fazer algo como posts patrocinados, mas o BBVA nunca cedeu a isso”, elogia Amirola, salientando que mesmo os artigos sobre produtos do banco têm de responder aos mesmos padrões de qualidade. O resultado é um site com 673.104 browsers únicos em seis meses, 14 mil utilizadores registados e mais de nove mil fãs e seguidores nas redes sociais.

Já a agência PANGEA não queria vender viagens, mas experiências. Aqui, o conteúdo editorial tinha o objetivo de incentivar o diálogo e criar uma comunidade em torno de um serviço. Neste caso, a La Factoría colocou de pé um grupo especialistas na matéria, que produziram mais de 10 mil artigos e 16 mil fotografias, conteúdo publicado no próprio site do cliente. “Estamos à procura de relações de longo prazo com os nossos clientes”, diz Amirola, justificando desta forma o grande investimento na produção de conteúdo para estas marcas.

Mas há também espaço para projetos mais pontuais. Na altura em que o Netflix lançou a segunda temporada de Narcos, o serviço de streaming de séries fez uma campanha em vários meios de comunicação social - onde se inclui o SAPO MAG (com a promoção da série) e o SAPO24 (que analisou o impacto de Escobar na cultura colombiana) - a La Factoría foi responsável por este projeto em Espanha, publicado no El País.

Seguindo a lógica transversal à produção de branded content, o foco do conteúdo não estava no lançamento da segunda temporada. Falou-se disso, é certo, mas aproveitou-se a oportunidade para explorar a vida de Pablo Escobar, figura incontornável na história colombiana. O The Wall Street Journal, perante desafio semelhante, optou por contar a história por detrás do Cartel Medellín, num artigo interativo, criativamente chamado “Cocaineconomic”.

Voltando à La Factoría, para a marca de roupa Bimba Y Lola, no âmbito do lançamento de uma coleção inspirada em padrões masai, a unidade de branded content da Prisa desafiou quatro jovens ilustradores e fotógrafos a interpretarem ao seu estilo, com a sua arte, o espírito masai. Para ilustrar a reportagem, estes foram fotografados nos seus estúdios vestidos com peças na nova coleção Bimba Y Lola. O tempo médio de leitura desta reportagem foi de 2,36 minutos, comparativamente à média de mercado que se situava nos 1,3 minutos.  Ou seja, apesar de ser branded content, as pessoas identificaram-se com o conteúdo e estavam interessadas naquilo que estes jovens tinham para partilhar.

Amirola resume: “se for conteúdo interessante as pessoas leem, não importa que tenhas uma marca em cima”.

De olhos postos no futuro, a diretora editorial de La Factoría lista alguns desafios. É preciso deixar claro que branded content não é publicidade e reconhecer que há marcas que ainda não estão preparadas para comunicar - ou criar um relacionamento - com público desta forma. Por outro lado, os departamentos comerciais dos jornais precisam também de aprender a vender este tipo de abordagens, que não passam pela comercialização de pageviews. Ainda neste campo, há que quebrar o processo tradicional “marca - agência de meios - departamento comercial - departamento editorial”, em que são vários os intermediários entre a marca e quem cria e distribui o produto final. Se a comunicação não puder ser direta, ao menos que se consiga sentar toda a gente na mesma sala, sugere Amirola. “Se baseias o teu trabalho naquilo que alguém te disse que outros querem, o resultado ficará aquém”, alerta.

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Numa altura em que os meios de comunicação social procuram novas fontes de receita, o branded content surge como uma oportunidade tanto para as publicações - capazes de aplicar o seu know-how a produtos que conseguem monetizar - e para as marcas - que mais facilmente fazem chegar a mensagem ao seu público-alvo, sustentando a comunicação num produto editorial credível, criado por uma marca com quem o público-alvo já tem uma relação e em quem confia

Internacionalmente, a referência nesta matéria é o TBrand Studio do The New York Times - cujos projetos pode conhecer aqui - e o tema é nesta altura incontornável, tendo dominado parte do segundo dia da Digital Media Europe 2017, conferência que junta mais de 40 oradores e cerca de 300 participantes com o objetivo de discutir o futuro do Jornalismo, abordando não só os desafios que se colocam ao setor, como partilhando algumas das experiências conduzidas nesta área um pouco por toda a Europa.

Foi também neste evento que Violaine Degas, diretora-geral adjunta da Condé Nast França, deu a conhecer a Condé Nast Stories, a unidade de branded content do grupo de detém marcas icónicas como a Vogue, GQ ou Vanity Fair.

“Lançámos o Condé Nast Stories para ajudar as marcas a contar uma história”, conta a responsável, que chegou ao grupo, vinda da OgilvyOne Paris, há um ano. “A razão pela qual as marcas se querem tornar publishers é exatamente o consumidor, que espera mais qualidade, que espera que marca se adapte”.

Para responder a esta necessidade, a Condé Nast pretende oferecer, através da Stories, “conteúdo criativo, criado pelos melhores contadores de histórias no mundo da moda, beleza, luxo e lifestyle, para a audiência certa, no momento certo e nos melhores pontos de contacto”, resume na sua apresentação.

Assim, a Condé Nast Stories prevê soluções “à medida do cliente”, com conteúdo que tanto pode ser publicado nas revistas e sites do grupo como nas plataformas das marcas, sem nunca sacrificar o tom de voz diferenciador das publicações do grupo e fazendo-o sempre de forma transparente para o leitor.

Este ano, 50% da receita de publicidade digital da Condé Nast France tem origem no branded content, que, no caso deste grupo, é feito efetivamente pelas equipas editoriais das revistas. Degas garante que isso não tem criado constrangimentos nas redações.

“Tipicamente, os clientes chegam com um briefing e determinamos no departamento digital qual será a ‘equipa perfeita’ para tratar a questão, dependendo do tema e formato (fotografia ou artigos, por exemplo). Depois, discutimos com a equipa editorial para saber se concordam estar envolvidos nestes projetos. É assim que estamos a criar equipas para criar soluções à medida das marcas”, explicou a responsável em conversa com o SAPO24 após a apresentação.

Atualmente, a equipa da Condé Nast Stories é composta por 12 pessoas: a líder da unidade, dois gestores de projeto, três diretores de arte, uma equipa de produção de vídeo de seis pessoas, além dos vários freelancers e das equipas das publicações (Vogue, Glamour, etc) visadas em cada projeto.

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Quando questionada sobre o desafio de manter um tom de voz distintivo e resistir a eventuais ‘intromissões publicitárias’ das marcas no conteúdo, Violaine Degas explica que “ter um tom faz parte do valor acrescentado" que a Condé Nast pode oferecer. "Sabemos que para criar um relacionamento com o leitor é preciso sinceridade. Por isso, quando nos pedem um conteúdo que é mais publicidade e menos branded content, nós discutimos isso com o cliente. Normalmente, estes compreendem. Até porque se decidiram fazer este caminho connosco é porque percebem [o que estamos a fazer], é porque precisam de autenticidade e de um tom de voz editorial”, diz.

E é com uma mensagem focada na autenticidade que Frederik Andersen, CEO da Vice Media Scandinavia explica como criar branded content para millennials (nascidos depois de 1980). A Vice orgulha-se de ser “a voz de uma geração” e o seu foco está em “manter-se relevante, sem tretas”.

“Os millennials gostam de marcas e perdem tempo com elas”, garante Andersen, desde exista transparência e honestidade na forma como se comunica. “É tudo uma questão de criar uma cultura”, diz.

E neste esforço só há lugar para relações de longo prazo: “Se uma marca vem até nós para comprar branded content e vai embora, mais vale vender-lhe publicidade”, resume.

Para chegar a este público-alvo a Vice trabalha com as marcas para contar histórias através das plataformas que os millennials usam, como o Twitter, Facebook, Tumblr, Snapchat, YouTube ou a Apple Music.

Em resumo: criatividade, qualidade, autenticidade, transparência, capacidade de adaptar o conteúdo a diferentes plataformas e de avaliar desempenho. Aqui fica a receita - partilhada na Digital Media Europe 2017, que tem lugar de 24 a 26 de abril em Copenhaga, na Dinamarca - para criar branded content que as marcas querem pagar e que os leitores gostam de consumir.