Como todos os eurodeputados, é chamado a votar sobre tudo. Na quarta-feira, há exactamente uma semana, esteve na berlinda um pedido de investigação à Comissão Europeia como porta giratória, por causa da nomeação de Durão Barroso para presidente não executivo da Goldman Sachs International. Votaram 557 a favor, 24 contra e 44 abstenções. A Provedora de Justiça Europeia, Emily O’Reilly, ficou ainda de rever o Código de Conduta dos Comissários e tornar mais apertadas algumas regras, como o período de nojo, que deverá passar de 18 meses para dois anos no caso dos ex-comissários e para três anos no caso dos ex-presidentes da Comissão.

No Parlamento Europeu, o trabalho de Francisco Assis está focado na política externa: é presidente da Delegação para as relações com o Mercosul e membro da Comissão dos Assuntos Externos, da Delegação à Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana e membro suplente da Delegação para as relações com a República Federativa do Brasil.

Mas são outros os acordos que retêm a atenção do deputado do PS: ainda este ano vai ao Brasil e espera grandes avanços no tratado comercial a assinar entre a União Europeia e os países que fazem parte do Mercosul, que parecem, finalmente, dispostos a baixar a guarda. Uma boa notícia para os exportadores portugueses.

Sobre as novas políticas de Trump, fala nas possíveis consequências para a União Europeia e para Portugal, desde logo fim do TTIP - Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento e o cuidados redobrado em não aumentar

Em termos de agenda política e do trabalho das comissões em que está, fundamentalmente na área da política externa, quais são as prioridades?

O meu trabalho tem sido muito centrado nas questões da América Latina, acompanho o tema dos tratados internacionais. Ainda vou ao Brasil até ao final do ano, numa iniciativa que promovi com a colaboração de uma organização não governamental, em que iremos visitar uma reserva de índios no Mato Grosso do Sul e reunir com autoridades políticas brasileiras – seremos, em princípio, recebidos pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, José Serra. Também tenho uma intervenção na subcomissão dos Direitos do Homem, onde desenvolvo uma vasta actividade - tenho acompanhando, por exemplo, a situação de três cidadãos luso-venezuelanos que estarão presos por razões de ordem política. Recebi e confirmei esta informação, sei que também há espanhóis e italianos, mas centro-me nestes três casos, em saber o que está a ser feito para os ajudar.

Dificilmente me lembro de outra altura em que as relações entre Portugal e o Brasil tenham sido tão más…

Penso que não temos razões para ter más relações com o Brasil. Recentemente estive com o presidente do Brasil e acho que é possível melhorá-las. E devemos melhorá-las, por várias razões e até por esta: o Brasil é um dos países do Mercosul. Portugal tem tido um papel muito activo, quer através do governo português, quer através dos deputados europeus de vários partidos, no sentido de estabelecer um entendimento com o Mercosul. Neste momento há resistências europeias à celebração de um acordo comercial, sobretudo da parte de países como a França, Polónia, Holanda, que têm a ver com a concorrência no sector agrícola. Nós, portugueses, temos tido um comportamento absolutamente exemplar. O Brasil é o país mais importante do Mercosul, é uma economia enorme, com a qual podemos e devemos ter um relacionamento mais intenso.

é desejável que o acordo com o Mercosul seja assinado o mais rapidamente possível

São muito proteccionistas, os países da América Latina. O que está a ser discutido exactamente com o Mercosul?

O que estamos a discutir neste momento é uma redução significativa desse proteccionismo. E esses países, pela primeira vez desde há muitos anos, entenderam-se no sentido de admitirem uma solução, um tratado comercial, que diminui drasticamente essas barreiras. Andamos há anos a negociar um tratado com o Mercosul, que estava paralisado. Foram retomadas as negociações há uns meses e houve uma proposta da parte sul-americana para reduzir as taxas que nos aplicam. Está uma equipa bilateral a negociar ponto por ponto, estive há 15 dias na Argentina com uma delegação, ao mesmo tempo que lá estava outra do Comércio Internacional, e reunimos com o ministro dos Negócios Estrangeiros e diversos membros do governo e representantes da sociedade civil.

Existe um prazo, uma ideia de quando o acordo será assinado?

Não há prazos, mas é desejável que o acordo com o Mercosul seja assinado o mais rapidamente possível. Pela primeira vez desde há muito anos há uma abertura para um entendimento comercial com a Europa, o que significa que terá de haver cedências de parte a parte: eles têm de ter uma atitude menos proteccionista, nós uma atitude mais aberta, nomeadamente naquilo que para eles é fundamental, que são as exportações na área agro-alimentar. Depois, cada país tem de gerir os seus equilíbrios internos. No caso do Brasil, isso significa que passa a haver um mercado para produtos portugueses, como os vinhos, por exemplo. A política externa brasileira, que durante algum tempo alinhou mais com países como a Rússia ou a África do Sul, está a mudar e, gostemos ou não do que se passou, há agora uma maior preocupação com a ligação à Europa e aos Estados Unidos da América. No caso europeu, é evidente que Portugal tem um papel nesse reforço.

Que papel poderá Portugal desempenhar?

As relações entre Portugal e o Brasil só podem melhorar nos próximos tempos, julgo que é essa a vontade do governo português. Estive no Brasil há dois meses e, francamente, fiquei com a sensação de que havia uma grande consciência da parte das autoridades brasileiras da importância da relação com a Europa e do papel que Portugal pode aí desempenhar. Somos parte integrante da União Europeia, a possibilidade de manter uma ligação directa com o Brasil reforça a nossa presença no espaço europeu, há vantagens que se podem acumular. Julgo que as autoridades brasileiras percebem isso e temos tido um feedback que vai nesse sentido, de os diplomatas brasileiros terem sempre a preocupação de salientar a importância que Portugal, enquanto membro da União Europeia, pode ter nas relações entre a EU e o Brasil.

Com Trump, a política externa dos Estados Unidos vai mudar. Por exemplo, o que se espera em relação ao TTIP - Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento?

Donald Trump afirmou que iria pôr em causa o tratado assinado com os países do Pacífico e, aparentemente, não mostra entusiasmo como TTIP. Penso que houve na administração Obama um grande interesse que não teve correspondência na Europa; é um tratado de negociação difícil e a Europa receou sempre que um acordo comercial com os EUA significasse uma diminuição dos padrões de exigência ambientais e sociais, entre outros, o que era preciso evitar. Depois havia um outro problema, que era como se faria a arbitragem dos conflitos na área dos investimentos. Uma vez mais, havia reservas. Mas neste momento as tendências proteccionistas começam a ter um peso muito significativo, quer nos Estados Unidos, quer na Europa, mais do que noutros países do mundo. Vai ser um dos debates mais interessantes dos próximos anos, entre os que acham que se devem valorizar os tratados comerciais e o que estes significam na globalização e aproximação entre países – os acordos comportam muitas dimensões, já não são apenas tratados de tarifas, de taxas. Curiosamente, a América do Sul aparece agora um pouco em contracorrente.

países como Portugal ou outros que têm dívidas elevadíssimas, quer dívida pública, quer dívida privada, é evidente que penso que têm de ter uma política muito cautelosa

Mas há uma coisa que vai mudar radicalmente: em termos económicos, Trump avisou que iria acabar com a política monetária, centrada em taxas de juro baixas, e isso vai pressionar em alta as taxas de juro europeias. As consequências para a União Europeia, e para Portugal, podem ser desastrosas.

Isso terá consequências, evidentemente. Para Portugal significa que temos de ter uma política bastante cautelosa. No quadro europeu é uma das discussões em curso, temos apelado a que se use também o instrumento da política orçamental, sobretudo nos países que têm possibilidade de o fazer, porque têm excedente ou porque têm uma boa situação em termos orçamentais, para relançar também por essa via a actividade económica. Agora, casos de países como Portugal ou outros que têm dívidas elevadíssimas, quer dívida pública, quer dívida privada, é evidente que penso que têm de ter uma política muito cautelosa.

O que significa uma política cautelosa?

Tudo o que signifique a adopção de medidas que representem um aumento duradouro da despesa pública, com projecção significativa nos próximos anos, tem de ser devidamente ponderado. Por outro lado, parece-me que isto pode estimular uma resposta europeia mais consistente, que implica que se avance mais no domínio da arquitectura institucional da União Económica e Monetária, o que a meu ver pressupõe a partilha de soberania. Não sei se todos os países estão disponíveis para isso, mas Portugal deve estar empenhado no tema: se queremos mais solidariedade no espaço intra-europeu e intra-euro, isso tem de significar uma maior partilha da soberania. E essa partilha da soberania é um tema difícil, onde imediatamente surgem posições extremistas, com toda a legitimidade democrática, à esquerda e à direita.

(...) apesar de tudo, nós europeus continuamos a viver preservando o essencial do nosso modelo social, que conseguiu resistir à crise

Como vê estes movimentos, na Europa, nos Estados Unidos, em que as pessoas parecem preferir trocar a certeza que as mata pela incerteza?

Esta certeza também não nos está a matar, estamos a exagerar muito nisso. Temos que olhar muito bem para os dados e para a realidade e, apesar de tudo, nós europeus continuamos a viver preservando o essencial do nosso modelo social, que conseguiu resistir à crise. Há muito exagero no que se diz das consequências negativas do que se passou na Europa em termos sociais. Acontece que estamos a viver uma época de grandes transformações e as pessoas estão inquietas e angustiadas, não é só por questões económicas, até nem penso que sejam essas as mais marcantes neste momento. A vitória de François Fillon em França [primárias] tem muito que ver com a reacção de um certa direita, que é conservadora, que considera a família um valor básico. São sociedades perturbadas com transformações alucinantes, que ocorrem todos os dias, em todos os domínios, na ciência, na família, nos valores. A ideia de que tudo isto parte apenas da economia e da questão económico-social é, a meu ver, um erro. As pessoas vão à procura de certezas e quem lhes dá certezas são os discursos simplistas, como o do Trump, por exemplo. Hillary tinha um discurso mais elaborado. E isto é um combate, quem está do lado de cá e tem posições mais moderadas tem de saber entrar neste jogo. Na Europa também estamos a assistir ao crescimento de formações populistas, de esquerda e de direita, na Europa do Sul, mais à esquerda, na Europa do Norte claramente mais à direita e com conotações racistas, xenófobas fortíssimas. Mas esse é um combate que vamos ter de travar, a democracia é isto, também, e várias vezes as democracias foram postas em causa.

teria sido preferível a União Europeia ter desde o início assumido que mais valia favorecer um contrato de associação, que serviria turcos e europeus, do que estar a criar uma expectativa de adesão

O Parlamento Europeu votou esta semana a suspensão das negociações da adesão da Turquia à União Europeia após a tentativa de golpe militar. Mas todo este processo faz sentido?

Estamos há muitos anos num processo de negociação de adesão, mas o que se tem verificado na Turquia nos últimos meses tem de obrigar ao congelamento desse processo. A proposta apresentada e a posição final do Parlamento Europeu não significa que venha a ser adoptada pelos Estados, pelo Conselho Europeu. E, de facto, penso que teria sido preferível a União Europeia ter desde o início assumido que mais valia favorecer um contrato de associação, que serviria turcos e europeus, do que estar a criar uma expectativa de adesão que, estou convencido, nos próximos anos dificilmente se concretizaria, independentemente do que se está a passar agora. Mas não podemos fechar os olhos à situação actual, temos de chamar a atenção para isso, daí esta resolução.

O alargamento da União Europeia a vários países de uma forma abrupta, sempre com as mesmas exigências, foi uma falha?

É verdade, as adesões que resultaram do fim do comunismo eram inevitáveis mas, objectivamente, essas intervenções revelaram-se perniciosas para a evolução do projecto europeu. Como o alargamento há claramente a desaceleração do projecto europeu e surgiram muitos problemas, problemas sérios, na Polónia, na Hungria, e ficou evidente que há dentro do espaço europeu graus de participação e de integração muito diferentes. Há um núcleo duro de países, que corresponde ao grupo de fundadores, há os países ibéricos e um ou outro país que são superiores ao nível global da União Europeia. E é aí, no núcleo dianteiro, que acredito que Portugal tem de estar sempre. Não é uma questão de ser bom ou mau aluno, para nós, que somos um país quase naturalmente periférico, é importante fazer um esforço enorme para não o ser. E isto acaba por gerar também em Portugal uma reacção. Os sectores, à direita e à esquerda, que rejeitam este avanço na integração, vão ter aqui um papel activo.

António Costa esteve bem ao impor à sua maioria uma solução de governação que, provavelmente, não era aquela que o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda preconizariam

Há pouco, a propósito da subida das taxas de juro, disse que Portugal poderia ficar para trás, porque tem uma dívida grande. Como pode o governo prevenir esta situação?

Em primeiro lugar, penso que o que fez no último ano foi muito importante, que foi cumprir as regras – mesmo aparentemente discordando delas - que estão em vigor em termos orçamentais no espaço europeu. Isso deu-nos credibilidade. Não quer dizer que não a tivéssemos já com o governo anterior, que foi que iniciou este processo, mas havia uma grande suspeita num governo apoiado pelo PC e o primeiro-ministro impôs-se à sua coligação e assegurou isso mesmo. Num quadro de subida de taxas de juro, em termos orçamentais, temos de ter a noção de que o controlo da despesa pública é absolutamente fundamental.

Receia que esteja a haver desorçamentação?

Não tenho informações que me permitam dizer isso, aparentemente não há, pode haver algum adiamento de pagamentos, mas o governo diz que não é nada de muito diferente do que sucedia em momentos anteriores. Julgo é que decisões tomadas agora e que possam eventualmente significar compromissos para o futuro e tornem rígida a despesa ao nível local são preocupantes, podem revelar-se contraproducentes no caso de uma situação de crise nos próximos tempos. É preciso evitar isso. Depois, no caso de uma crise dessa natureza, quanto mais credíveis formos, essa credibilidade, feliz ou infelizmente, também é feita à luz dos critérios europeus, daí eu pensar que António Costa esteve bem ao impor à sua maioria uma solução de governação que, provavelmente, não era aquela que o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda preconizariam. Se esta solução fosse imposta num contexto em que eles não estivessem nesta maioria, imagine o estado em que estariam, o tipo de oposição que fariam. E isso é um mérito do primeiro-ministro, que consegue manter os elementos que sustentam a coligação, apoiando uma política contrária àquilo que ao longo dos anos preconizaram e continuam, aparentemente, a defender. É certo que no último ano houve aqui uma reposição de salários e de rendimentos de pensionistas e que isso ajudou politicamente a que o BE e o PCP conseguissem vender publicamente uma ideia de que a governação não é aquilo que ela efectivamente é, que é uma governação que, no essencial, tem respeitado os compromissos europeus.

Ser presidente da CGD não se limita a saber gerir questões técnicas, tem uma dimensão política que supõe a confiança de quem governa

A propósito de compromissos, existe o compromisso CGD, com o BCE e com Bruxelas. Bem sei que não é directamente a sua área, mas não se fazem perguntas, aqui no Parlamento Europeu? De quem é a responsabilidade pelo que se está a passar?

De facto, não é o meu tema, mas falamos nisso. Há aqui várias responsabilidades. A grande dúvida continua a ser saber se em algum momento alguém do governo, em seu nome pessoal ou em nome do governo, prometeu a António Domingues que não seria preciso entregar a declaração de rendimentos. Em segundo lugar, todo este processo foi mal conduzido, arrastou-se demasiado no tempo, com uma série de intervenções infelizes. Por outro lado ainda, penso que António Domingues - já tínhamos falado sobre isto - terá percebido que a reestruturação da Caixa Geral de Depósito é um processo muito complexo, com decisões muito duras e onde existem grandes divergências políticas e em que a possibilidade e probabilidade de intromissão por parte dos partidos da coligação, do PC e do Bloco de Esquerda, e até de alguns sectores do PS, seria inevitável. Ser presidente da CGD não se limita a saber gerir questões técnicas, tem uma dimensão política que supõe a confiança de quem governa. E António Domingues terá sentido, até pelo suporte que lhe faltou agora, que em alguns momentos esse apoio ia faltar. Tudo isto prejudica o banco.

Durão Barroso não ajudou a preservar a imagem da instituição a que presidiu

Na semana passada foi votada favoravelmente uma investigação à Comissão enquanto porta giratória a propósito do caso Durão Barroso e haverá um código de conduta mais rigoroso. Qual a sua posição sobre isto?

Sabe-se que há umas seis ou sete instituições financeiras com grande poder em instituições políticas e hoje as relações dos responsáveis políticos das instituições estão sob muito maior escrutínio. Não foi por acaso que a Universidade de Genebra dispensou ou não quis continuar com o dr. Durão Barroso como professor convidado, depois da sua decisão de aceitar o convite da Goldman Sachs. O que o dr. Durão Barroso fez não foi nada de ilegal, ele não cometeu nenhuma ilegalidade à luz do que está estabelecido, mas os conceitos vão evoluindo para além disso. Neste caso, tem de haver uma preocupação com a preservação da imagem das instituições, e Durão Barroso não ajudou a preservar a imagem da instituição a que presidiu. Mas não foi o único, grande parte fez exactamente a mesma coisa, mas acontece que as coisas evoluíram no sentido de passar a haver uma preocupação de adequar comportamentos.