O escritor britânico, de origem japonesa, no discurso proferido esta tarde, em Estocolmo, na Academia Sueca, definiu-se como "um sessentão que esfrega os olhos para tentar discernir os contornos entre as brumas deste mundo, que até ontem nem suspeitava que existia".

Condenou "ideologias de extrema-direita", "nacionalismos tribais", alertou para o racismo, e referiu-se em concreto a 2016, como um ano marcado por acontecimentos políticos deprimentes, na Europa e nos Estados Unidos, contrariando os valores liberais que considerava garantidos.

O autor de "Os Inconsolados", de 63 anos, passou em revista os momentos mais significativos do seu percurso, que foram pontos de viragem na sua vida literária, e referiu-se com pessimismo ao presente, durante a sua comunicação, disponível no sítio da Academia na Internet.

Só recentemente, o autor afirmou que percebeu que "vivia há uns quantos anos numa bolha”, alheado da "frustração e preocupações" de muitas pessoas em seu redor.

A queda do muro de Berlim permitiu, segundo Ishiguro, "o crescimento de enormes desigualdades - de riqueza e oportunidades - entre países e dentro destes".

O laureado do Nobel referiu-se à "invasão desastrosa do Iraque em 2003" e aos "longos anos de políticas de austeridade impostas às pessoas comuns, após a escandalosa crise financeira de 2008".

Estas circunstâncias levaram a um presente em que "proliferam ideologias de extrema-direita e os nacionalismos tribais", e o regresso do racismo "nas suas formas tradicionais e nas suas versões modernas e maquilhadas", um fenómeno que desperta "sob as nossas ruas civilizadas como um monstro que desperta".

O autor de "Quando Éramos Órfãos” referiu-se em concreto a 2016, um ano marcado por "acontecimentos políticos surpreendentes" na Europa e nos Estados Unidos, que descreveu como "deprimentes", e por "atos de terrorismo nauseantes em todo o planeta".

Tudo o que aconteceu no ano passado forçou-o a admitir que "o avanço imparável dos valores liberais que ele tinha dado por certo", desde sua infância, “poderá ter sido uma mera ilusão".

Para Ishiguro, atualmente, parece faltar "uma causa progressista que nos una".

"Em vez disso" – acrescentou - "mesmo nas democracias ricas do Ocidente, estamos a dividir-nos em fações rivais, competindo como cães, por recursos e poder".

No termo da sua intervenção, Ishiguro fez um apelo à comunidade literária: "É difícil mudar o mundo, mas pensemos no modo como podemos mudar o nosso 'pequeno mundo' da literatura, onde escrevemos, lemos, recomendamos, criticamos e premiamos os livros. Se pretendemos ter um papel relevante neste futuro incerto, se pretendemos obter o melhor dos escritores de hoje e de amanhã, temos de ampliar a nossa diversidade".

"Em primeiro lugar, devemos ampliar o nosso mundo literário, para incorporar muitas mais vozes provenientes de outras, que não as 'zonas de conforto' do primeiro mundo. Temos de procurar mais energia para descobrir o melhor de culturas literárias desconhecidas, tanto de escritores de países distantes, como nas nossas próprias comunidades".

"Em segundo lugar, temos de ser cuidadosos com o que consideramos boa literatura; não podemos ser conservadores, nem estreitar a nossa definição. A próxima geração trará todo o tipo de novos modos, importantes e maravilhosos, de contar histórias. Temos de manter a mente aberta, em especial no que diz respeito a género e forma, para poder apoiar e aplaudir os melhores".

"Num tempo de divisões perigosamente crescentes, devemos escutar. A boa escrita e a boa leitura derrubam barreiras. Temos de encontrar uma nova ideia, uma grande visão humanista em torno do que congregamos", disse o autor de "Os Despojos do Dia".

"Muito obrigado à Academia Sueca, à Fundação Nobel e ao povo sueco que, ao longo dos anos, tem sabido fazer do Prémio Nobel um resplandecente símbolo de justiça pela qual lutamos, os seres humanos", concluiu.

Kazuo Ishiguro nasceu em Nagasaki, no Japão, em 1954, vive no Reino Unido desde os cinco anos.

Venceu o Prémio Booker, o Cheltenham, o Whitbread, foi feito Oficial da Ordem do Império Britânico, cavaleiro das Artes e das Letras de França.

Em Portugal, do escritor, estão editadas obras como “Os Despojos do Dia”, “As Colinas de Nagasaki”, “Um Artista do Mundo Transitório", “Quando Éramos Órfãos”, “Nocturnos”, “O gigante enterrado”.

A cerimónia de entrega dos Prémios Nobel 2017 realiza-se no domingo, em Estocolmo.

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