"Comecei a ter a sensação de que em vários países - a começar pelo meu, Portugal - se pensa que as atuais regras do jogo criam uma divisão entre os perpétuos vencedores e os perpétuos perdedores", afirmou António Vitorino numa declaração sobre o futuro da UE na Faculdade de Direito de Lisboa, recolhida pela agência Lusa.

Comissário Europeu da Justiça e Administração Interna de 1999 a 2004, António Vitorino recordou que no próximo fim-de-semana os chefes de Estado e de Governo da UE se reúnem em Roma para celebrar a assinatura do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, faz sábado 60 anos.

"O primeiro pré-requisito para comemorar o 60.º aniversário do Tratado de Roma é mostrar que estamos orgulhosos do que alcançámos, salientou o advogado português.

No entanto, ressalvou que a Europa enfrenta hoje "uma multiplicidade de crises", que requer "duas abordagens cruciais".

A primeira é "clarificar a razão de ser, o propósito, do projeto europeu" e a segunda é "criar uma narrativa política que torne atrativa, outra vez, a Europa aos olhos dos cidadãos".

"Estes dois aspetos cruciais - propósito e narrativa - deverão ser as principais preocupações da declaração de Roma que será publicada no fim-de-semama de celebração do 60.º aniversário do Tratado", realçou.

Vestindo "a pele de um cidadão comum", António Vitorino disse que os europeus "duvidam que exista confiança mútua suficiente entre os Estados-membros para levar em diante uma União Europeia" muito erodida devido à "sucessão de crises": a crise do Euro, a crise dos refugiados/migrações e agora [a crise] do autoritarismo em alguns países.

Segundo o antigo presidente do Instituto Jacques Delors (de 2011 a 2016), estas sucessivas crises criaram "fraturas", ou fricções, "entre o Norte e Sul [da UE], entre o Leste e o Ocidente [da UE]".

"Isto constitui a negação do sonho dos pais fundadores da União. (...) O que pedimos aos nossos líderes é que mostrem que, apesar das diferenças, o desafio que existe é o de assumir que juntos conseguiremos ser bem-sucedidos, mas separados nenhum de nós conseguirá sê-lo. Esta é a questão crucial", sublinhou.

Exemplo de uma das ameaças à União é a "inaceitável letargia" mostrada na reforma da união económica e monetária.

"Estamos paralisados há dois anos, não acontece nada significativo desde a união bancária que, por sinal, ainda está incompleta. Uma das principais prioridades da agenda Europeia é a reforma da união económica e monetária, a Zona Euro", porque esta ainda está "suscetível a acidentes", disse.

Por isso, António Vitorino espera que saia de Roma "uma mensagem muito clara de que este é um problema a resolver".

"Como? Temos de voltar ao que Jacques Delors nos ensinou. Por que razão o Mercado Único foi um êxito? Porque Delors impulsionou um projeto que iria acomodar diferentes interesses nacionais", criando uma situação de vantagens mútuas (win-win) para todos, explicou.

As economias mais fortes da UE beneficiaram mais com a abertura dos mercados, mas os países mais fracos - como Portugal - receberiam fundos estruturais como mecanismo de compensação, beneficiando a longo prazo.

António Vitorino defende que, tal como no caso do Mercado Único, a União Monetária "precisa de ser uma solução win-win".

"O estado incompleto da União Monetária tem consolidado a ideia de que as regras são em benefício de alguns e sempre em prejuízo de outros. E que, independentemente dos esforços feitos pelos perdedores, estes não terão qualquer hipótese de ir para o outro lado da mesa, para o lado dos vencedores. E isso é a morte do projeto europeu", reiterou.