Marcelo Rebelo de Sousa encerrou a sessão solene evocativa do 25 de Abril com um apelo a mais reformas e mais transparência nos poderes públicos, desde os políticos aos tribunais, como forma de prevenir os populismos que se alimentam das suas deficiências e lentidões.

"Importa que todas as estruturas do poder político, do topo do Estado à Administração Pública e, naturalmente, aos tribunais, entendam que devem ser muito mais transparentes, rápidas e eficazes na resposta aos desafios e apelos deste tempo, revendo-se, reformando-se, ajustando-se", acentuou.

O Presidente da República advertiu que "os chamados populismos alimentam-se das deficiências, lentidões, incompetências e irresponsabilidades do poder político, ou da sua confusão ou compadrio com o poder económico e social".

"Preveni-los ou pôr-lhes cobro requer determinação, antecipação e permanente proximidade e satisfação das legítimas necessidades comunitárias", defendeu.

Marcelo aproveitou também a intervenção para recordar as "vitórias" nas finanças públicas e na economia, embora apelando a uma aposta na criação de mais riqueza e à sua melhor distribuição no tempo restante desta legislatura.

O chefe de Estado elogiou o poder local e o povo português, pelo seu "nacionalismo patriótico e de vocação universal" como contraponto à "nova vaga dita populista". Marcelo sublinhou mesmo que, neste ponto, Portugal é "mais sustentável" do que muitos dos seus parceiros europeus.

"Para sermos justos, havemos de admitir que somos uma pátria em paz, com apreciável segurança, sem racismos e xenofobias, aceitando diferenças religiosas e culturais, como poucos, com rede de instituições sociais devotada, poder local incansável e sistema político flexível. E, nessa medida, mesmo se carecido de reformas, mais sustentável do que muitos outros nossos parceiros europeus", declarou.

Já o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, destacou a "nova centralidade" do parlamento no atual quadro político e elogiou o contributo de Marcelo Rebelo de Sousa para o reforço da confiança nas instituições democráticas, num discurso contra a banalização da extrema-direita.

"Não há deputados dispensáveis ou partidos excluídos das soluções de governo. Todos contam para servir Portugal, seja na oposição ou no apoio ao Governo", sustentou o antigo líder socialista.

Ferro Rodrigues mostrou-se convicto que a nova conjuntura política portuguesa "tem ajudado a essa revalorização do parlamento enquanto instância de negociação democrática e de representação dos interesses dos portugueses", elogiando o “papel decisivo nesta recuperação da confiança nas instituições da democracia, através da sua magistratura de proximidade, leal, lúcida e afetuosa”.

Ferro anunciou ainda que a AR vai comemorar o bicentenário do constitucionalismo português, assinalando o triunfo das revoluções liberais no século XIX, e criar um centro interpretativo.

Nas intervenções dos partidos, o PSD, através da sua vice-presidente e também candidata à Câmara Municipal de Lisboa, Teresa Leal Coelho, traçou uma "fronteira clara" entre duas opções de sociedade, separadas por "pensamentos políticos inconciliáveis".

"Uma fronteira tão nítida quanto o paralelo 38 que divide as Coreias. Uma fronteira que, de um lado, coloca o primado da pessoa e do seu projeto de vida, e do outro um Estado totalitário gerador de pobreza e de injustiça", referiu, numa intervenção em que nunca utilizou a expressão 25 de Abril.

De um lado, disse, está uma sociedade baseada "num mercado livre e concorrencial", com "incentivos à iniciativa privada e às empresas. Do outro, defendeu, uma sociedade "caracterizado pela insegurança do direito de propriedade e da livre iniciativa económica, pela opacidade e ausência de escrutínio".

Já o socialista Alberto Martins, presidente da Associação Académica de Coimbra em 1969 e líder da revolta estudantil nesse mesmo ano contra o Estado Novo, defendeu que assinalar a revolução de Abril requer a recusa do "conformismo" e a promoção e defesa de uma "nova ética de responsabilidade", com subordinação do poder económico ao político.

"Para que Abril não seja uma efeméride ritualista é nosso dever relacionarmo-nos com o futuro de modo estratégico, recusando o conformismo, neste tempo ameaçador de incertezas, riscos para a paz, violência, terrorismo, atentados contra direitos fundamentais", declarou o ex-líder parlamentar socialista na parte mais virada para a análise à conjuntura política do presente.

Alberto Martins defendeu como um dos principais desafios da atualidade a subordinação da economia à política sobretudo ao nível da União Europeia.

O ex-Presidente da República Mário Soares, falecido em janeiro, foi evocado nas intervenções do PS, PSD e CDS, e também de Ferro Rodrigues, mas esteve ausente nas intervenções da esquerda.

As críticas à austeridade e à União Europeia foram uma tónica dominante dos partidos à esquerda do PS.

No Bloco de Esquerda, a deputada Joana Mortágua alertou que “o maior erro” das últimas décadas na Europa e em Portugal foi “continuar a sacrificar a democracia aos lucros dos mercados e a negar direitos e liberdades”.

Joana Mortágua não deixou por isso de assinalar o falhanço do projeto europeu: “Falhou porque submeteu a democracia aos mercados financeiros, falhou porque perdeu contacto com os direitos sociais e económicos dos povos, espalhou pobreza e desemprego”.

O deputado do PCP Jorge Machado lembrou a Revolução dos Cravos como “ato de libertação” e admitiu que o atual Governo, com o apoio dos comunistas, deu passos, “ainda que insuficientes”, para recuperar “direitos e salários”.

“Na nova fase de vida política nacional, na atual relação de forças, apesar das opções do PS e do seu Governo, foi possível dar passos, ainda que insuficientes, no sentido da recuperação de direitos e salários”, afirmou, criticando as políticas da austeridade e do empobrecimento.

O CDS-PP colocou em evidência a afirmação dos direitos sociais e da proteção da vida, além dos direitos civis e políticos insubstituíveis que o 25 de Abril consagrou, declarando que todas as vidas valem a pena ser vividas.

O discurso dos centristas na sessão solene do 25 de Abril ficou igualmente marcado pela referência à memória do ex-Presidente da República e ex-primeiro-ministro Mário Soares, no primeiro aniversário da 'Revolução dos Cravos' após a sua morte, momento que foi aplaudido por várias bancadas, designadamente do PS.

A centrista Isabel Galriça Neto, que é médica especialista em cuidados paliativos construiu a sua intervenção na cerimónia em torno da defesa dos direitos que estão além dos direitos civis e políticos, concluindo numa defesa da proteção da vida, recusando a eutanásia: "Defendemos a dignidade enquanto valor intrínseco e patrimonial inegociável do ser humano, pelo que para nós, e independentemente das circunstâncias, não há vidas que valem a pena ser vividas e outras não".

O PEV, através de Heloísa Apolónia, lamentou os recuos nos direitos sociais durante a governação PSD/CDS após os "imensos avanços" do 25 de Abril, exigindo que o atual executivo governe para as pessoas e "não esbarre na obsessão de números" para Bruxelas.

André Silva, do PAN, considerou necessário retirar os valores de Abril da "lógica meramente discursiva" e transpô-los para o século XXI, defendendo que "ainda há espaço para democratizar".

A sessão solene evocativa da Revolução dos Cravos iniciou-se na Assembleia da República cerca das 10:00 após o entoar do hino nacional pela banda da GNR, como tradicionalmente, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a entrar de cravo vermelho na mão.

O primeiro-ministro, António Costa, e membros do Governo envergam cravo vermelho ao peito, assim como o líder do PSD, Pedro Passos Coelho.

O único antigo chefe de Estado a assistir a esta sessão solene foi Ramalho Eanes, acompanhado pela mulher, estando ausentes Jorge Sampaio e Cavaco Silva.

Presentes estiveram também os ex-presidentes do parlamento Assunção Esteves e Mota Amaral, os capitães de Abril Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, e Otelo Saraiva de Carvalho, ausentes da cerimónia durante o Governo PSD/CDS-PP e a aplicação do programa de ajustamento.