Coincidências de agenda levaram a que o analista estratégico Nicholas Kralev estivesse em Portugal durante a eleição que tornou Donald Trump o 45º Presidente dos Estados Unidos. Kralev, nascido em 1974, foi jornalista do jornal “Washington Times” e da revista “Times”, altura em que entrevistou muitos políticos, como Richared Holbrook e o general Wesley Clark, e depois entrou para o Departamento de Estado (os Negócios Estrangeiros de lá), onde foi assessor de quatro secretários de Estado: Madeleine Albright, Colin Powell, Condoleezza Rice e, finalmente, Hillary Clinton. Actualmente, é diretor de um thinktank independente, a Washington International Diplomatic Academy. Trata-se portanto um insider da política norte-americana, uma pessoa com quem vale a pena falar nestes tempos de temor e incerteza.

Kralev não o disse expressamente mas percebe-se que terá votado em Clinton, e não esconde a sua surpresa com o resultado das eleições. A nossa conversa versou mais sobre o que poderá acontecer a partir de agora, uma vez que a análise dos resultados – os porquês e os ses – passou a ser um estudo de História.

E o que irá acontecer?

“Ninguém sabe ao certo, nem o próprio Trump”, avalia Kralev. “Durante a campanha ele não pareceu grande conhecedor sobre muitas situações, especialmente na política internacional. Mas o mundo é muito diferente quando se está na Casa Branca. A estrutura do Executivo está estabilizada há muitas décadas e os funcionários públicos de topo, que não mudam com os governos, encarregam-se de uma certa continuidade.”

“Ele vai verificar que há muitas restrições quanto ao que um Presidente pode fazer. Claro que depende muito dos ministros que escolher, mas eles também terão de lidar com as secretarias instaladas. O aparelho de Estado tornou-se enorme e por vezes pode ser bastante frustrante para a equipa proveniente da eleição. O Presidente querer que se faça uma determinada coisa não quer dizer que ela aconteça.”

Trump terá um benefício que Obama não teve: o Congresso. Senado e Câmara dos Representantes têm maioria republicana. Todavia, mesmo essa situação tem limitações.

“Há muita gente no Partido Republicano que não concorda com Trump nem tem interesse em certos aspetos da sua agenda. Os congressistas têm de responder aos interesses dos seus eleitorados e portanto seguem uma agenda que nem sempre coincide com a do Executivo.”

Na política interna, Kralev acha que a “retórica bombástica” usada na campanha não vai ter aplicação prática.

“Ninguém está à espera que o muro na fronteira seja construído e muito menos que o México o vá pagar. O que ele disse é mais simbólico, tal como outras afirmações. Mostra uma postura política de princípio, não uma execução de facto.”

E Kralev insiste que o aparelho de Estado se encarregará de limitar os extremismos, não só pela sua inação perante aquilo com que não concorda, como também mantendo a comunicação social informada e alerta. “Os funcionários não querem ser vistos como pessoas desleais em relação ao Presidente, mas têm muitas maneiras de diluir a sua ação. Vimos isso com Obama, temos visto isso com todos os presidentes.” É um equilíbrio que não está na Constituição mas que tem um peso considerável.

Noutra vertente, Kralev pensa que o Partido Republicano não utilizará esta oportunidade para fazer uma tão necessária renovação. Agora, que está instalado no poder, com o executivo, o legislativo e, em breve, o judiciário (Trump vai escolher pelo menos um juiz do Supremo, talvez mais dois posteriormente), a tendência é para usufruir desse poder e ter uma certa complacência em relação a si próprio. Não se mexe no que está a ganhar. Isso poderá trazer problemas ao partido na próxima legislatura, mas não nestes quatro anos.

Quando a Hillary, "ser mulher também jogou contra ela, mais do que Obama ser negro”, considera Kralev. “Obama jogou a carta da mudança, que era o que as pessoas queriam, e isso tornou-se mais importante do que a cor da pele. Hillary não conseguiu apresentar-se como um agente de mudança e 42% das mulheres votaram contra ela.”

Agora, a oposição a Trump nas ruas será tremenda, e também na comunicação social, se bem que “a imprensa pensa sempre em termos de receitas publicitárias e isso pode impedir que se radicalize contra o Governo”.

Kralev acha que a política externa norte-americana tem estado sempre mais próxima das propostas republicanas e que aí também não se vê como possa mudar substancialmente. Aliás, Trump é mais isolacionista do que os democratas. Mas não haverá as mudanças prometidas na NATO, porque as decisões dentro da organização são tomadas por consenso. Cada país tem um voto e os Estados Unidos podem ser os grandes financiadores, mas só têm um voto. Por outro lado, se os países europeus se sentirem assustados, podem aumentar a sua prontidão e os orçamentos militares. Já em 2015, numa reunião de cúpula, os países europeus, instigados pelos ex-de Leste, comprometeram-se a investir mais na defesa.

Onde Kralev é menos otimista é nas relações com a China e com o Oriente. Estes dão muita atenção ao estilo, ao protocolo, e Trump foi muito ofensivo. “Não seria mau alterar a situação presente, em que há um grande endividamento americano – se for feito da maneira certa, não é uma má ideia. Mas inicialmente os chineses vão ser bastante inflexíveis, exatamente por causa do estilo do Presidente.”

Onde Trump precisa de ter um especial cuidado, segundo este analista, é na questão dos seus negócios. Terá que se afastar deles – provavelmente entregá-los-á aos filhos – mas não se pode esquecer dos problemas que apareceram com as suspeitas de negócios da Fundação dos Clinton quando Hillary era Secretária de Estado. E, finalmente, vai ter que apresentar a sua declaração de rendimentos. Não as declarações dos anos anteriores, mas pelo menos a deste ano. “É extraordinário que a maioria das pessoas que votou nele paga os seus impostos, não são ricos, mas acharam que ele é que poderá resolver os seus problemas. Para mim, isso é o mais surpreendente”. 

Kralev, como é próprio de um bom analista, avalia as situações mais com a razão e menos com a emoção. Talvez seja isso que faz falta nesta altura dos acontecimentos.