Dezasseis farmácias do Uruguai começaram a vender marijuana legal, produzida sob o controlo e vigilância do Estado, na passada quarta-feira. Ao final do primeiro dia, o produto esgotou com a forte procura. Diz a imprensa local que nalgumas delas nem foi preciso esperar pelo fim do dia, tendo o stock esgotado em cerca de hora e meia.

Antes da abertura dos estabelecimentos, Às oito da manhã desta quarta-feira, as longas filas já se faziam notar. O Estado uruguaio pôs em circulação dois géneros de canábis, alpha e beta, que correspondem às variedades Indica e Sativa.

A 1,12 euros o grama, a marijuana estatal tem um preço abaixo do praticado no mercado negro. As regras, porém, limitam a compra a um máximo de 40 gramas por mês, distribuídos em 10 gramas por semana. Cada pacote de cinco gramas custa, assim, 5,70 euros.

Polémica, mas clara, a legislação agora em vigor permite a compra e cultivo de marijuana apenas aos uruguaios maiores de 18 anos. A compra só pode ser feita em farmácias autorizadas e mediante identificação com impressões digitais, após registo prévio (no primeiro dia, cerca de 5 mil pessoas se tinham registado).

Apesar da abertura, a lista de limitações é alargada. O consumo é proibido em espaços públicos fechados, em espaços fechados para uso laboral, o que inclui táxis, autocarros, ambulâncias “e demais transportes, com ou sem passageiros”, entre outros espaços, públicos e privados, como sejam escolas e instituições desportivas, pode ler-se na página criada pelo governo uruguaio. Também não se pode consumir produtos de canábis durante a jornada de trabalho.

Outra das restrições é semelhante à que, aqui em Portugal, se usa para o tabaco. “É proibida toda a forma de publicidade, direta ou indireta, promoção, auspício ou patrocínio dos produtos de canábis psicoativo por qualquer um dos diversos meios de comunicação: imprensa escrita, rádio, televisão, cinema, revistas, filmagens em geral, posters, cartazes, brochuras, estandartes, correio eletrónico, tecnologias de internet, assim como qualquer meio idóneo”, referem as normas uruguaias.

A lei do tabaco, o artigo 16.º da lei n.º109/2015, de 26 de agosto, em Portugal, vai no mesmo sentido, embora para os produtos de tabaco e não canabinoides. Proíbe “todas as formas de publicidade e promoção ao tabaco e aos produtos do tabaco, incluindo a publicidade oculta, dissimulada e subliminar, através de suportes publicitários nacionais ou com sede em Portugal, incluindo os serviços da sociedade de informação”.

Para os turistas, não há nada. O pequeno país quer ser procurado pelas suas praias e não pelas suas drogas. Para além disso, as variedades estatais são facilmente identificáveis, permitindo perceber eventuais casos de tráfico.

O acesso à canábis para os uruguaios não tem de acontecer apenas nas farmácias, já que a legislação permite também o cultivo em casa ou em associações e cooperativas. Para o cultivo, há 6 mil pessoas registadas. O único problema tem sido os roubos na altura da colheita. “Antes escondíamo-nos da polícia, agora dos ladrões”, diz Laura Branco, diretora do centro de cultivadores de canábis Gaia, citada pelo jornal espanhol El País.

O cultivo pessoal foi legalizado em 2014. Mais uma vez, para o fazer, é preciso estar registado. Na mesma altura, foi criada a possibilidade de haver os chamados “clube canábicos”, cooperativas de consumidores que pagam mais de 100 dólares a jardineiros que cultivam para todos. Da mesma forma, são apenas permitidos 40 gramas mensais, num total de 480 gramas por ano. “Neste momento tirámos pelo menos 12 mil pessoas do mercado ilegal. Isso já é um êxito. E continuará a crescer”, diz ao País Julio Calzada, o responsável, no tempo de Mujica, pelo desenho da lei.

Existem, atualmente, 63 clubes de produção de canábis e 6.948 cultivadores privados, segundo números divulgados pelo jornal espanhol.

Tabaré Vázquez, atual líder do governo, sendo do mesmo partido que Mujica, é muito mais moderado. Recusa ir mais longe, mas, explica o jornal espanhol, com tanto consenso em torno da legislação, não se atreveu a pará-la. Atrasou, porém, o início da venda em farmácia.

A abertura da venda de canábis legal é uma herança do presidente José Mujica, que ficou conhecido como “o presidente mais pobre do mundo”. A nova legislação começou a ser discutida em 2012 (Mujica liderou o país entre 2010 e 2015). O objetivo é evitar que os 160 mil uruguaios que fumam marijuana vão comprá-la no mercado negro, que lucra 30 milhões de euros com um negócio envolto em violência.

Envolta em polémica, a discussão sobre a legalização da canábis enfrentou a condenação de diversas entidades e também de muitos uruguaios, explica El País. Até as Nações Unidas condenam o processo de legalização da marijuana, levando a que a substância tenha sido adulterada em laboratório, com um percentagem de tetrahidrocanabinol (THC) entre os 2% e os 4%.

No início do mês, El País explicava que a marijuana distribuída é mais suave que a que se cultiva em casa, “para evitar sustos aos consumidores ocasionais”, todavia, “mais forte e muito melhor” que o “prensado paraguaio” à venda nas ruas uruguaias.

O THC é o principal elemento psicoativo da canábis. Quanto mais elevada a percentagem presente, maior o efeito do consumo (a título de exemplo, a marijuana legalmente vendida no Colorado, Estados Unidos, tem uma percentagem de THC a rondar os 18,7%). A marijuana legal do Uruguai tem, em comparação com a erva ilegal vendida um pouco por todo o mundo, níveis muito reduzidos de THC. Em 2007, um estudo britânico dizia que uma das variedades de canábis (skunk) vendida no país tinha mais de 30% de THC. As amostras analisadas, porém, mostravam uma média de 14%.

O Uruguai tem usado outros métodos para combater o narcotráfico. Desde a prisão massiva ao endurecimento progressivo do código penal uruguaio. Em 2017, explica El País, todos os recordes foram batidos, com uma das mais altas taxas de presos: 341 por cada 100 mil habitantes (em 2015, Portugal tinha 137,5 reclusos por 100 mil habitantes).

Os olhos do mundo continuam voltados para o pequeno país da América Latina, seja para cobiçar a liberalização da marijuana, seja para criticar as formas como o Uruguai tem estado a combater o tráfico de drogas.

Em Portugal, após a descriminalização do consumo e posse de drogas, no início do milénio, não se têm visto aletrações às leis que regulam o consumo da canábis. Em 2015, uma proposta do Bloco de Esquerda para a legalização do uso terapêutico da erva foi chumbada no Parlamento com os votos contra do PSD e CDS-PP. Também a Juventude Socialista (PS) propunha a legalização, para fins recreativos.

As novas propostas do Bloco, que devem ser discutidas ainda nesta legislatura, abrem o caminho à legalização tanto para fins terapêuticos, como recreativos. O PCP, porém, mostra-se fechado à legalização do consumo recreativo da canábis. Com o PS e os dois partidos que o sustentam no governo a mostrar abertura para a discussão, talvez Portugal ainda volte a ser exemplo nesta matéria.

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