Foi no sábado, “pouco depois das três da tarde” que o “diabo acordou”, conta Maria de Jesus, 74 anos, na mesma aldeia, a poucos metros do local onde terá começado o incêndio que matou 64 pessoas e destruiu milhares de hectares nos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos.

A partir de então, “andámos apenas a empurrar o fogo das casas”, diz Alda Santos, moradora no lugar do Vermelho, um dos primeiros locais por onde o incêndio se esgueirou, percorrendo matos por limpar e evitando zonas cultivadas.

“A minha horta salvou-me” e o “diabo não entrou cá em casa”, explica Adelaide Mendes, de Salaborda Velha, mais a sul das primeiras aldeias atingidas.

Nos instantes em que o fogo começou estava bom tempo, garante António Estêvão, sentado debaixo da parreira, com boa vista para o local, já junto de Escalos Fundeiros. “Dizem que é trovoada, mas não ouvi os trovões”.

Armando Pedroso, 79 anos, é dono da mais antiga tasca da aldeia de Escalos do Meio, desde 1831. “Fui ficando desde pequeno e nunca de cá saí”, explica o comerciante, que diz nunca ter visto nada assim, como na tarde do dia 17.

Os moradores estavam a fazer uma sardinhada e “toda a gente viu”, recorda António Joaquim, um cliente. “Um helicóptero andou lá às voltas, mas tinha o tanque vazio, foi o que foi preciso para depois ninguém o agarrar”, recorda.

“O diabo fugiu-nos”, resume Armando Pedroso.

Nas aldeias, os mais velhos chamam ao fogo "o diabo". “Então aquilo não é o diabo menino? Aquilo é o diabo que por aqui anda”, explica Natividade Marques, da aldeia de Balsa.

Desde então, como é habitual nos incêndios de maior intensidade, os bombeiros podem apenas mitigar os danos humanos e evitar que as chamas destruam habitações.

“Não podemos fazer mais. Ou as condições mudam ou só podemos andar a defender casas e pessoas dele”, explica José Dias, comandante dos bombeiros de Castanheira de Pera.

“Andamos sempre a correr atrás do prejuízo”, reconhece Carlos David, presidente dos bombeiros de Pedrógão Grande.

Ali, “já nas Regadas, o fogo destruiu uma fábrica de pasta de papel. Foi a primeira coisa a sério que ele destruiu”, recorda Arnaldo Pedrosa. “Depois, fugiu por aí acima e nunca mais ninguém o agarrou”.

Desde então, o “diabo” destruiu dezenas de casas e matou seis dezenas de pessoas, a maior parte numa estrada que liga Castanheira de Pera ao Itinerário Complementar 8.

Ficou conhecida como a “estrada da morte”, mas, na ocasião, foi olhada pelas autoridades como a única solução de fuga para os turistas que queriam sair de Castanheira de Pera, rodeada pelo fogo.

O “diabo” passeou por Nodeirinho e Pobrais, onde muitos moradores morreram nas ruas, carbonizados.

“Quando ele passa estamos no inferno. Não se vê nada, é o dia que fica de noite e não conseguimos respirar”, diz Amélia Neves, 84 anos, de Mosteiro.

E esse “diabo” que levou o “inferno” passeou pelas encostas a fugir das casas protegidas pelos bombeiros durante três dias.

“Já o agarrámos”, disse Jorge Abreu, presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos. Desde então, as situações de reacendimento repetiram-se, mas cada vez mais com menos intensidade, à medida que o chão e a temperatura arrefeciam.

Mas a paz e o silêncio das florestas não convencem António Estêvão, um octogenário habituado a estes ciclos de fogo.

“O diabo continua por aí, nós é que não o vemos”, disse.

Autor: Paulo Jorge Agostinho/Lusa

Fotografia: Paulo Rascão/MadreMedia