Na semana passada, o jornal Público noticiou que quase 10 mil milhões de euros em transferências realizadas entre 2011 e 2014 para contas sediadas em paraísos fiscais não foram alvo de qualquer tratamento por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), embora tenham sido comunicadas pelos bancos à administração fiscal, como a lei obriga. O caso já está a ser investigado pelo Ministério Público.

No seguimento deste caso, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nesse período de quatro anos, Paulo Núncio, já admitiu a "responsabilidade política" e demitiu-se das suas funções como vogal da Comissão Política Nacional do CDS-PP. Esta demissão acontece depois de o antigo diretor-geral do fisco Azevedo Pereira garantir ter solicitado, por duas vezes, ao ex-secretário de Estado autorização para publicar dados relativos às transferências dinheiro para 'offshore', mas "em nenhum dos casos" esta lhe foi concedida. Amanhã, Paulo Núncio e o atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, vão ser ouvidos na Assembleia da República sobre este tema.

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Mas, afinal, o que é um Offshore? Trata-se de um país - ou mercado - que presta serviços financeiros e concede vantagens fiscais a não residentes. O objetivo das empresas ao localizar os seus centros de decisão financeiros em offshores - ou paraísos fiscais - é usufruirem de vantagens fiscais, isto porque essas localizações oferecem vantagens comparativas. Os paraísos fiscais têm também sido utilizados como local de especulação e de branqueamento de capitais.

Na sequência da polémica sobre os 10 mil milhões de euros que passaram debaixo do radar do Fisco, muito tem sido dito pelas maiores figuras da política portuguesa. Aqui ficam as principais declarações, ou se preferir, uma cronologia da polémica.

“Tais notícias [sobre a alegada falta de controlo de transferências para paraísos fiscais] exigem uma investigação e explicações e, a confirmarem-se, são bastante preocupantes, tendo em consideração que o combate à fraude e à evasão fiscais deve constituir uma das prioridades na atuação [da Autoridade Tributária e Aduaneira].”

Requerimento do PSD entregue à presidente da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, deputada Teresa Leal Coelho. 21-02-2017

“Quando se trata de taxar e colocar os impostos sobre quem trabalha, quem trabalhou, quem tem as suas poupanças, rapidamente é executado. Quando se trata de dinheiros ganhos em especulação, existe sempre esta vulnerabilidade que permite que milhares de milhões de euros saiam do nosso país sem a devida taxação.”

Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP. 21-02-2017

“Naturalmente que esta situação [fuga de 10 mil milhões de euros para ‘offshore’] merece ser investigada porque, a confirmar-se, pode ser de alguma maneira preocupante.”

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República. 22-02-2017

“Na ocasião em que desempenhei funções governativas, nunca tive conhecimento de nenhuma situação destas, quero dizer-lhe hoje na oposição que sou o primeiro interessado em que se apure exatamente tudo o que se passou.”

Pedro Passos Coelho, presidente do PSD. 22-02-2017

“Verifico que, relativamente ao período do seu governo, PSD e CDS têm seguido o princípio da partilha de responsabilidade: quando falamos do Banif, a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, diz nada saber, quando se fala de incumprimento pela administração fiscal - sob tutela de secretário de Estado do CDS - é o senhor deputado, então primeiro-ministro [Pedro Passos Coelho], que lava as mãos.”

António Costa, primeiro-ministro. 22-02-2017

“Moral da história: a culpa morre solteira ou foi a empregada da limpeza que avariou o computador a limpar.”

Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP. 22-02-2017

“Ao contrário desta maioria de esquerda que utiliza recursos parlamentares inadmissíveis em democracia para impedir a descoberta de toda a verdade, ao contrário desta esquerda unida que oprime os direitos da oposição no parlamento - e isso é grave, é muito grave -, deste lado não há medo nenhum de descobrir a verdade, de inquirir, de ouvir as respostas.”

Assunção Cristas, presidente do CDS/PP. 22-02-2017

“A senhora deputada [Assunção Cristas] quer voltar a ser a líder do partido dos contribuintes, mas pelo seu currículo sabemos que os únicos contribuintes que foram poupados foram mesmo aqueles que levaram o dinheiro para as ‘offshore’.”

António Costa, primeiro-ministro. 22-02-2017

“Faremos hoje na oposição exatamente o contrário do que os senhores, no Governo e na maioria, estão a fazer em relação à Caixa Geral de Depósitos, onde existe uma plena ocultação e uma violação das regras mais básicas da transparência.”

Pedro Passos Coelho, presidente do PSD. 22-02-2017

“Não tive conhecimento da situação descrita relativamente ao não tratamento de parte das declarações dos bancos pela AT [Autoridade Tributária].”

Paulo Núncio, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. 22-02-2017

“Queremos que toda a verdade seja apurada, não tememos nada, não temos o temor que PS, PCP e BE têm a propósito da Caixa Geral de Depósitos. (…) Uma vez que o Governo quis caminhar por esta insinuação soez e indigna, chegou a altura de acelerarmos ainda mais esse processo de averiguação no parlamento.”

Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD. 23-02-2017

“Estou tão à vontade nesta matéria que não posso se não incentivar a procura da verdade e facilitar, seja através das audições no parlamento, seja, se for necessário, com a criação de uma comissão de inquérito, o apuramento de toda a verdade.”

Pedro Passos Coelho, presidente do PSD. 24-02-2017

“Essa divulgação [transferências financeiras para paraísos fiscais] não estava, assim, dependente de uma aprovação expressa ‘a posteriori’ do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais [no caso, ele próprio, Paulo Núncio].”

Paulo Núncio, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Diário de Notícias, 24-02-2017

“[Paulo Núncio] declarou ter tomado conhecimento dos elementos que foram comunicados, mas não autorizou a sua divulgação, tal como lhe foi solicitado.”

Azevedo Pereira, antigo diretor-geral do Fisco. Nota enviada às redações, 24-02-2017

“Caso tivesse sido intenção do SEAF [secretário de Estado dos Assuntos Fiscais], da altura, disponibilizar publicamente a informação produzida, teria tido a possibilidade de, em qualquer momento, ao longo dos quatro anos seguintes (com o ex-diretor-geral que escreve estas linhas, ou com qualquer dos que se lhe seguiram) anular o suposto ‘erro de perceção’.”

Azevedo Pereira, antigo diretor-geral do fisco. Nota enviada às redações, 24-02-2017

“Tendo em conta o tempo que decorreu entre os factos e o presente e tendo tido agora a oportunidade de revisitar os documentos que têm sido noticiados (…) considero legitima a interpretação dos serviços que levou à não publicação das estatísticas no portal das Finanças. Assumo, por isso, a responsabilidade política pela não publicação das referidas estatísticas.”

Paulo Núncio, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. 25-02-2017

“Querendo libertar o partido a que pertenço [CDS-PP] de quaisquer controvérsias ou polémicas nesta matéria, solicitei à presidente do partido que aceitasse a cessação das minhas funções nos órgãos nacionais.”

Paulo Núncio, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. 25-02-2017

“Qualquer sugestão de comportamento impróprio [do anterior governo] é inaceitável.”

Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças. Expresso, 25-02-2017

“Paulo Núncio mostrou uma grande elevação de caráter e o país deve muito ao doutor Paulo Núncio pelo trabalho de combate à fraude e à evasão fiscal.”

Assunção Cristas, presidente do CDS/PP. 26-02-2017

“Queremos ouvir as explicações do dr. Paulo Núncio. (…) Mas, mais importante do que a publicação das estatísticas, é (…) apurar se, dessas transferências, ficaram ou não ficaram por pagar impostos.”

Hugo Soares, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD. 26-02-2017

“Esta decisão individual e pessoal do dr. Paulo Núncio não apaga a necessidade de esclarecimento cabal de toda a dimensão e extensão desta responsabilidade política e (…) a necessidade de apurar exatamente qual é a extensão do problema.”

João Oliveira, líder parlamentar do PSD. 26-02-2017

“Há pelo menos um silêncio ensurdecedor de Maria Luís Albuquerque [caso das transferências de dinheiro para paraísos fiscais], que eu acho que ninguém percebe neste país.”

Catarina Martins, coordenadora do BE. 27-02-2017

“O Parlamento merece-me todo o respeito, mesmo se não o tem merecido por parte de todos os responsáveis, pelo que os esclarecimentos que me venham a ser solicitados serão prestados em primeiro lugar aos deputados, como de resto sempre fiz”.

Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças. 27-02-2017

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