“Concordei com o arquivamento depois de o senhor procurador Orlando Figueira me ter mostrado documentos sobre os rendimentos de Manuel Vicente que provavam que podia comprar um apartamento, dois ou três e também o seu registo criminal”, disse Cândida Almeida, a primeira testemunha a depor na operação Fizz, sobre o processo relacionado com a compra de um apartamento no Estoril por parte de Manuel Vicente.

“Sinceramente não sei como podia haver outra decisão senão arquivar”, insistiu a ex-diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), garantindo que a Procuradoria-Geral de Angola não teve qualquer intervenção.

Orlando Figueira, ex-procurador do DCIAP, está neste processo acusado de corrupção e violação de segredo de justiça, tendo sido, alegadamente, corrompido pelo ex-vice-Presidente de Angola Manuel Vicente a troco de arquivamento de processos.

Apesar de concordar com o arquivamento, Cândida Almeida estranhou que documentos sobre as finanças de Manuel Vicente tivessem sido retirados do processo, garantindo não ser prática habitual nem ter tido conhecimento.

“A preservação de dados penais era a prática, a regra era colocar os documentos pessoais de processos arquivados em envelopes lacados no cofre, destruir não”, disse a testemunha, acrescentando que desconhecia o despacho para a devolução/destruição dos documentos e que se soubesse tinha mandado suspender.

“Fiquei estupefacta quando fui confrontada com este documento, nunca o tinha visto”, frisou Cândida Almeida quando confrontada com uma folha que não está por si assinada nem pela procuradora assessora Teresa Sanchez e que diz respeito à destruição/devolução de documentos de rendimentos de Manuel Vicente.

A retirada dos documentos referentes ao ex-vice-Presidente de Angola foi considerado por Cândida Almeida “incorreto e anómalo”, mas ressalvou que é a sua interpretação do artigo do Código Processo Penal.

Em contrapartida, Orlando Figueira disse em tribunal que “não há nenhuma norma que impeça de destruir ou devolver documentos”, insistindo em dizer que “pensou bem ao mandar apagar a referência de Manuel Vicente no processo principal”, já que foi extraída uma certidão.

Segundo a acusação, o arguido Paulo Blanco, em nome de Manuel Vicente, teria pedido a Orlando Figueira a destruição de documentos a troco de contrapartidas.

Questionada pela procuradora do MP sobre as relações entre as procuradorias-gerais de Portugal e Angola, a magistrada garantiu que eram estritamente profissionais, que teve apenas uma reunião com o PGR angolano no âmbito de uma formação para procuradores angolanos que decorreu no DCIAP.

Nessa formação, disse, o arguido Paulo Blanco funcionou com intermediário dos magistrados angolanos, nomeadamente para questões logísticas.

Cândida Almeida, ao contrário do que tinham dito os arguidos Orlando Figueira e Paulo Blanco, garantiu que nunca foram discutidos casos concretos com o procurador-geral da República de Angola (PGRA), à exceção do Banif, arquivado após desistência da queixa por parte do estado angolano.

“Não me recordo que alguém tenha levado processos para discutir com Angola e acho muito estranho”, afirmou

“Até fiz um desabafo que depois fiquei constrangida porque chegou ao conhecimento do procurador-geral de Angola sobre o facto de estarem a utilizar os meios do MP e depois ficar tudo a meio”, contou a magistrada, referindo-se à desistência da queixa do Estado Angolano.

Posteriormente, João Maria de Sousa explicou-lhe que, segundo a lei angolana, cumpria ordens do Presidente da República de Angola.

Sobre a saída de Orlando Figueira do DCIAP em 2012, a ex-diretora referiu que foi informada pelo próprio em 2011, que o tentou demover e que, na altura, lhe pediu aceleração de alguns processos que tinha em mãos e que foi nesse seguimento que surgiu o arquivamento do processo do ex-presidente da Sonangol Manuel Vicente.

Chegou a perguntar-lhe se ia trabalhar para o banqueiro angolano Álvaro Sobrinho, que também foi alvo de um processo em tribunal, ou para empresas do Estado angolano, tenho Orlando Figueira garantido que não havia conflito de interesses.

“Orlando Figueira era um bom magistrado. Gostava do que fazia no DCIAP e era cumpridor de datas. Tinha orgulho. Foi uma grande surpresa a detenção dele”, disse a magistrada, atualmente no Supremo Tribunal de Justiça.

O processo ‘Operação Fizz’ tem por base acusações a Manuel Vicente de ter corrompido Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos, por interferência de Paulo Blanco e Armindo Pires.

O ex-procurador do DCIAP está pronunciado por corrupção passiva, branqueamento de capitais, violação de segredo de justiça e falsificação de documentos, Paulo Blanco por corrupção ativa em coautoria, branqueamento também em coautoria, violação de segredo de justiça e falsificação de documento em coautoria e Armindo Pires, também em coautoria, por corrupção ativa, branqueamento e falsificação de documento.

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