"Sem a minha casa, onde morreu o meu marido, eu já não tenho memórias, por isso, se o fogo vier, eu fico", diz Maria dos Anjos, uma das poucas idosas que recusavam sair da aldeia do Cercal, rodeada pelas chamas a meio da tarde de hoje.

Esse foi o trabalho de muitos bombeiros e técnicos camarários e do Instituto Nacional de Emergência Médica, procurando convencer quem viveu toda a sua vida naquelas paredes a trocá-las por um refúgio num dos pontos de acolhimentos dos concelhos de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos, Ansião ou Castanheira de Pera.

"É a minha casa, é a minha vida", explica Antónia Santiago, moradora em Cernache e que recusa ir passar uns dias a casa da filha que vive em Lisboa e veio tentar buscá-la.

Ana Paula Fernandes tem pouco mais de 20 anos e vive em Figueiró dos Vinhos. Todos os fins de semana são passados na aldeia de Pé de Janeiro a acompanhar a mãe, viúva há um ano. "Ela não quer sair daqui, temos que insistir", diz a filha, trabalhadora na Misericórdia local, que recusa regressar de vez à aldeia onde cresceu.

"A minha vida é na cidade", diz a jovem, que critica a falta de ordenamento do território, acentuada com a ausência de recursos para limpar as zonas próximas das casas.

"As pessoas plantam árvores em todo o lado, só falta plantarem nos telhados. Depois admiram-se", desabafa, visivelmente irritada, enquanto olha as chamas a lamberem os muros de proteção da casa.

A recusa de muitos idosos em sair das suas casas tem sido uma das preocupações das autoridades de proteção civil e são repetidos os apelos para que todos saiam das suas habitações.

"Isso é bonito de dizer, mas a verdade é que as pessoas têm medo do que possa acontecer e estas casas são aquilo que as define", explica António Sameiro em Arega, Figueiró dos Vinhos.

Maria dos Anjos, rodeada de silvas que tenta arrancar com um pequeno sacho, é um desses exemplos de tenacidade.

"Foi toda construída pelo meu marido, não a posso deixar", disse, com a voz embargada.