“Portugal entra no processo de descolonização, não inicia o processo de descolonização. A tendência que ainda existe em Portugal é de considerar que a descolonização se seguiu à guerra colonial, ao 25 de Abril, à transferência do poder. É um erro. A transferência do poder foi uma fase já muito avançada do processo de descolonização”, referiu o general na reforma em declarações à Lusa, numa alusão ao seu mais recente livro “…. da descolonização. Do protonacionalismo ao pós-colonialismo”, que é lançado esta terça-feira em Lisboa.

Um trabalho de fôlego, com mais de 800 páginas e produto de uma tese de doutoramento na sequência de prolongado trabalho de investigação.

“Também baseado na minha vivência pessoal” e com alguns capítulos inéditos, destaca.

Neste contributo teórico, o ex-Conselheiro da Revolução, 85 anos, com seis comissões na guerra colonial (Índia, Moçambique, Angola e Guiné) e participante no 25 de Abril de 1974, procura “desmistificar alguns mitos” relacionados com a “tendência natural” do antigo colonizador que se sentia no “centro do mundo”, que “colonizou e depois descolonizou”.

Assim, recorda que os africanos se opuseram “desde o início”, a partir de finais do século XIX, à instalação das estruturas coloniais, e serão eles a desencadear “a sua dinâmica anti-colonizadora”, ou de descolonização, depois completada pelo desmontar de toda a estrutura colonial.

“O processo da descolonização é este, no qual o colonizador só participa depois de reconhecer o direito dos povos à independência. Até aí, a potência colonial procura opor-se e contrariar o processo de descolonização”, assinala.

“Só após o 25 de Abril e particularmente com a lei 7/74 de 27 de julho de 1974, é que Portugal começa a aceitar participar no processo de descolonização. E para negociar a transferência do poder”, frisa com particular ênfase.

Nesta perspetiva, a guerra colonial terá sido a descolonização conduzida pelo colonizado, reafirma.

“Nessa altura Portugal ainda não estava obviamente envolvido no processo de descolonização. E por isso termino [o livro], e com uma certa acutilância, dizendo que foi o 25 de Abril que permitiu que Portugal entrasse no processo de descolonização”.

A guerra colonial nas três principais colónias africanas portuguesas (1961-1974), e o 25 de Abril, que põe termo ao regime marcelista, serão assim dois acontecimentos indissociáveis desse processo.

“Quando refiro que sem o 25 de Abril Portugal teria perdido o seu encontro com a descolonização, não é uma forma de retórica. É uma realidade. Porque a independência verificar-se-ia sempre, noutras condições. Provavelmente com Portugal derrotado militarmente no terreno. A colonização far-se-ia sempre, mas far-se-ia sem a colaboração de Portugal. O 25 de Abril permitiu que Portugal ainda pudesse colaborar na parte final da descolonização”.

E será neste contexto que o militar e académico faz alusão a um particular paradoxo de que enferma este processo: ter sido a ditadura a desencadear a guerra para manter o sistema colonial, mas ter sido a guerra colonial que introduziu em Portugal o processo de descolonização.

Para Pezarat Correia, esta aparente contradição pode constituir a síntese deste trabalho de investigação, com a segunda parte do livro (páginas 383-796) intitulada ‘Transferência do poder em Angola’ e exclusivamente dedicada ao complexo processo que decorreu no atual país da África ocidental, definido pelo autor como “o Rubicão da descolonização”.

“Sem a descolonização Portugal teria falhado o seu encontro com a liberdade. É essa frase final que tenho nas minhas conclusões, que como digo não é um ‘slogan’, não é uma forma de retórica, é um resumo em minha opinião muito objetivo de toda esta realidade”, acrescenta.

O lançamento do livro “…. da descolonização. Do protonacionalismo ao pós-colonialismo”, com chancela da Book Cover Editora, decorre terça-feira às 18:00 no Instituto de Defesa Nacional (IDN) em Lisboa, com sessão moderada pela académico e deputado José Manuel Pureza e apresentação da obra pelos professores Luís Moita e Carlos Lopes.