Em França foram concedidas 37 mil carteiras profissionais de jornalistas em 2013, equivalente a cerca de 0,14% da população ativa. Nos Estados Unidos contam-se mais de 170 mil jornalistas (0,12% da população ativa) e na Alemanha 70 mil (0,18% da população ativa). Estes números globais não contam, todavia, a história dos milhares de postos de trabalho que se perderam ao longo dos últimos dez anos, nem dos jornais que fecharam. Essa é uma realidade que decorreu em paralelo com o aparecimento de novos meios, nomeadamente no digital, como o Buzzfeed que empregava, no ano passado, 170 jornalistas, o Gawker, entretanto encerrado devido a um litígio judicial, que dava emprego a 132 jornalistas e o Mashable com 70. De acordo com os dados apresentados por Julia Cagé, nos Estados Unidos, 500 sites de informação contrataram nos últimos anos cinco mil pessoas (a média não é de tirar a respiração, mas neste grupo há claramente novos –e grandes – players, como os mencionados). Há novos meios em clara expansão global. A Vice Media tem 35 escritórios no estrangeiro, o Huffington Post está presente em 11 países e a Quartz tem repórteres em Londres, Banguecoque e Hong Kong.

Tanto nos meios ditos tradicionais – ou seja, que perduram de uma era anterior à internet – como nos novos meios digitais, as rotinas das redações mudaram. A essência do trabalho jornalístico é um dos temas em que a autora do livro “Salvar os media” se demora. Cagé convoca o escritor Mario Vargas Llosa para a sua narrativa para recordar a forma como, com humor, ele retratava a imprensa no Peru, nos anos 50. Escreve Cagé: “Mario Vargas Llosa mostra com humor que os boletins informativos da Radio Panamericana no Peru durante os anos 50 não eram mais que o fruto de uma reformatação dos artigos do El Comercio ou do La Prensa pelo seu herói Varguitas, pomposamente nomeado director de informação”.

Os jornais despendem uma crescente energia a publicar o mais depressa possível despachos de agências nos seus sítios de Internet como se a capacidade de resposta no copia-cola tivesse mais importância do que a recolha de uma informação original

Para Julia Cagé, o número crescente de internautas é enganador a todos os níveis e está a fazer os jornais correr atrás dos cliques que teimam em não se transformar em receita. O cenário descrito pela economista não é idílico, mas é facilmente reconhecível por quem trabalha em media. “Os jornais despendem uma crescente energia a publicar o mais depressa possível despachos de agências nos seus sítios de Internet como se a capacidade de resposta no copia-cola tivesse mais importância do que a recolha de uma informação original”.

E, ainda assim, mais rapidez e mais cliques, continuam a não resolver uma equação em aberto: mais leitores não representam mais receita.

“(...) As estatísticas de dezenas de milhões de internautas assentam em grande parte numa ilusão. (…) embora atinjam um público cada vez mais vasto, os jornais não conseguem ganhar dinheiro com a sua nova audiência digital. Pelo contrário. À força de correrem atrás da publicidade, da qual estão convencidos que o seu futuro depende, os jornais perderam em todas as frentes: na qualidade, e portanto na da difusão em papel, e na digital, que eles não conseguem pagar. E os jornais vão esperando que a noite se torne escura”.

O que devolve a discussão ao início. Como pagar informação de qualidade e que não se limite a reproduzir infinitamente as mesmas notícias? O custo de um jornalista de investigação por ascender a mais de 250 mil dólares por ano em salário e despesas, escreve Julia Cagé. E esse jornalista irá escrever poucos artigos, provavelmente. Recorda também os números de um caso que muitos ficaram a conhecer através do cinema com “O caso Spotlight”, vencedor este ano do Óscar para melhor filme. Os oito meses de investigação dos repórteres dedicados à averiguação dos abusos sexuais do clero católico americano em 2002 custaram ao Boston Globe um milhão de dólares, sem contar com as várias dezenas de milhares de dólares em custas judiciais.

Um milhão de euros para uma equipa de investigação de um grande trabalho jornalístico é mais do que o orçamento anual de muitos projectos de informação.

Esta ambivalência faz Julia Cagé escrever que “vivemos o melhor e o pior dos tempos”.

A publicidade, garante da liberdade de imprensa?

A quebra de receitas publicitárias e o aumento exponencial de meios de comunicação, nomeadamente digitais, tornou a procura de modelos de negócio alternativos nos media quase uma obsessão. A verdade é que, apesar de muitas experiências, testes e muitas frentes em aberto, a publicidade continua a ser, para a maioria, a fonte de receitas por excelência dos media. O que, para Julia Cagé, é mais uma ilusão. “Essa ilusão embala o conjunto dos media, particularmente no mundo anglo-saxónico. Problema: hoje em dia, a publicidade já não faz viver os media”.

Os media consagram cada vez mais espaço à publicidade no entanto isso rende-lhes cada vez menos

“Vários factores explicam a diminuição da importância da publicidade. Por um lado, com o desenvolvimento de novas tecnologias, a emergência do marketing directo criou um concorrente à publicidade sob as suas formas tradicionais e menos eficazes. Por outro lado, e sobretudo com uma oferta acrescida de espaços publicitários – e que aumentou muito mais rapidamente do que a procura de espaços publicitários, nomeadamente com a multiplicação da publicidade nas redes sociais como Twitter e Facebook – assistiu-se a uma forte queda do preço. Os media consagram cada vez mais espaço à publicidade no entanto isso rende-lhes cada vez menos”, escreve no livro.

Um dos temas sensíveis nesta busca do santo graal que vai salvar os media é a elasticidade do mercado e a quem compete essa avaliação. “Para assegurar a qualidade de informação produzida – e o bom funcionamento das nossas democracias – um dado mercado só pode suportar um número limitado de media. Não nos compete determinar com precisão o número de actores mediáticos que este ou aquele mercado podem suportar, a questão é infinitamente mais complexa e leva em consideração um número de parâmetros (dimensão de mercado, preferências dos consumidores, importância da procura de espaços publicitários …)”.

Num mercado que cresce em número de empresas mas não em receita, Julia Cagé mostra-se surpreendida com o que classifica de optimismo de alguns directores de jornais. “Com um único e mesmo argumento: nunca houve tantos leitores de jornais”. É um argumento verdadeiro – como mostra nos números que recolheu para o seu livro. Mas que não conta necessariamente toda a verdade.

Outro dos temas sensíveis, aqui numa vertente mais política, abordado é o que podem ou devem fazer os Estados para viabilizar a sustentabilidade dos media. Na Europa, o IVA a taxa reduzida é um dos instrumentos usados por vários Estados para dar oxigénio aos meios de comunicação social. No Reino Unido, por exemplo, os jornais beneficiam de uma taxa de IVA de 0%, cujo valor anual pode ser estimado em cerca de 838 milhões de euros. Também nos Estados Unidos, os jornais beneficiam de um conjunto de isenções fiscais. Em Portugal, este apoio traduz-se na taxa de IVA reduzida de 6% aplicada à venda de jornais, revistas e livros.

Em França, os apoios à imprensa dividem-se entre apoios à difusão, apoios à modernização e apoios ao pluralismo e, em 2012, representaram 419 milhões de euros; França tem também uma taxa super-reduzida de IVA para a imprensa (2,1%) que ascende a 265 milhões de euros e as assinaturas de Estado na AFP representam 117,9 milhões de euros de receita na agência de notícias. No total, são mais de 800 milhões de euros, mais que os 55 milhões gastos todos os anos pela Dinamarca ou os 40 milhões pela Noruega. Os países nórdicos têm, contudo, formas alternativas de apoiar o pluralismo nos media. Na Noruega, por exemplo, o sistema de apoios à imprensa consagra o essencial dos seus recursos ao jornal que for nº2 em termos de circulação na maior parte das cidades, bem como o jornal mais pequeno em certas regiões isoladas. O sistema norueguês sustenta igualmente jornais nacionais que apresentem pontos de vista políticos dissidentes e controversos.

No Reino Unido o apoio à imprensa custou a cada britânico, em 2014 e 2015, cerca de 13 euros sob forma de IVA à taxa reduzida; o financiamento ao audiovisual público, principalmente através da taxa de televisão, ultrapassou os 80 euros.

Para a autora de “Salvar os media”, “a questão não é saber se os media devem ser apoiados ou subvencionados, mas antes permitir-lhes que beneficiem de um estatuto legal e fiscal favorável proporcional ao contributo que dão à vida democrática e se possível comparável aquele de que beneficiam outros sectores da economia do conhecimento”.

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