“É uma escuridão”, afirma Luís Rego, de 75 anos, residente em Vieira de Leiria, zona que o pinhal cercava e o fogo cercou naquele final de dia, a 15 de outubro, obrigando à evacuação parcial da sede de freguesia e à evacuação da Praia da Vieira.

Às primeiras palavras sobre o Pinhal de Leiria - mandado semear pelo ‘rei lavrador’, D. Dinis (rei entre 1279 e 1325), há cerca de 700 anos - a emoção toma conta deste “filho da Vieira”, habituado a ver um horizonte que “estava tão bonito”, mas sobre o qual sobram agora interrogações.

“O que é que vão fazer ao pinhal?”, pergunta Luís Rego, enquanto seca uma lágrima, revelando um sentimento de que esta perda, mais do que coletiva, é mesmo pessoal.

Os olhos de Oldemiro Sequeira, de 61 anos, morador em Vieira de Leiria, também não conseguem esconder a mágoa pelo atual estado da mata: “É triste para quem se habituou a ver o pinhal. O que vamos fazer agora?”.

Recordando o 15 de outubro como o “dia mais triste” da sua vida, Oldemiro Santos, que a Lusa foi encontrar a trabalhar na reconstrução de uma das casas atingidas pelo fogo, na mesma freguesia, regozija-se por ter conseguido salvar a sua, desfiando aquela data em que faltam palavras e sobram emoções para a descrever.

A casa onde Oldemiro se encontra é dos sogros de Filipe Pereira, que ali tinha a sua oficina. Hoje, Filipe recorda a “bola de fogo”, “o não haver nada a fazer” senão a fuga com a família e, depois, o regresso, marcado pelo desalento.

O mecânico, de 42 anos e com dois filhos menores, está agora a trabalhar numa oficina concorrente, onde o proprietário ofereceu espaço.

Contabilizando as ajudas - de voluntários que deram a sua mão-de-obra para limpar, de material de construção e de alimentos -, Filipe Pereira lamenta não ter outros apoios, por exemplo, da Federação Portuguesa de Futebol, que promoveu um jogo Portugal-Estados Unidos da América em Leiria. Queixa-se ainda da burocracia, de “papelada e mais papelada” para obter ajudas.

“Se não fosse o voluntariado, eu não fazia nada. Os incêndios foram há três meses e começámos a obra na semana passada”, desabafa.

Da casa dos sogros a vista é, agora, para um pinhal queimado, uma situação “horrível” que o leva a dizer que “já não chega a ver o pinhal de pé” de novo e a perguntar como é que a população do concelho vai fazer no Dia da Espiga, na Quinta-feira da Ascensão, feriado municipal em que é tradição as famílias fazerem piqueniques na mata.

Carlos Feijão, com 69 anos, proprietário da última habitação desta mesma rua, sem saída, espera que haja saída “para a resolução das situações afetadas”, como é o seu caso, ele que é eletricista e canalizador e viu o fogo consumir-lhe, entre outros bens, os equipamentos dos ofícios.

No verão de 2016, Carlos Feijão foi à junta, GNR e Proteção Civil municipal alertar para um silvado de três metros de altura que separava a sua casa do pinhal e que era “um barril de pólvora”. O dia 15 de outubro confirmou-o.

“Isto era um paraíso, embora o pinhal não fosse limpo, nem a vala que delimita a propriedade do Estado da privada”, diz.

António Costa, de 80 anos, destaca o estado “negro” da mata, que “era a fortuna e riqueza da Marinha Grande e Vieira de Leiria”.

“Não se veem lebres, nem coelhos, nem passarinhos”, resume o morador da Vieira.

A Mata Nacional de Leiria, também conhecida por Pinhal de Leiria e Pinhal do Rei, é propriedade do Estado. Tem 11.062 hectares e ocupa dois terços do concelho da Marinha Grande. A principal espécie é o pinheiro bravo.

De acordo com informação no sítio na Internet do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, a primeira arborização data do século XIII, tendo sido feitas as grandes sementeiras no reinado de D. Dinis, também ‘rei poeta’.

O presidente da Junta de Freguesia da Vieira de Leiria, Álvaro Cardoso, admite que hoje seriam “de desilusão, tristeza e melancolia” os poemas que D. Dinis escreveria sobre o pinhal.

“Porque todos nós, enquanto comunidade, não fizemos nada para evitar aquilo, não foi só o Estado, mas o Estado em primeiro lugar”, sustenta Álvaro Cardoso.