“A rua é um lugar público que ainda é muito mais fácil para o homem dominar ou gerir do que para uma mulher. E é essa situação que a mulher evita até ao último momento enfrentar”, explicou à agência Lusa a investigadora Ana Ferreira Martins, na véspera de se assinalar o Dia Internacional da Mulher.

Mas esta “fuga à rua faz com que vivam situações de muita dureza e muita violência” ao longo da vida, adiantou a autora do livro “As sem-abrigo de Lisboa”, que será lançado no dia 31 de março.

“Uma mulher prefere estar em casa e ser vítima de um marido, de um companheiro, do que ir viver para a rua”, uma situação que ainda “é mais visível e mais marcante” quando existem filhos.

Para não caírem na “forma mais extrema de ser sem-abrigo, que é estar na rua”, as mulheres procuram outras soluções, como a casa dos amigos ou de familiares, disse Ana Ferreira Martins, que estudou esta realidade na sua tese de mestrado e que decidiu agora publicar em livro.

“Quando se vê uma mulher a mudar com alguma frequência de casa para casa, [sabe-se que] é uma situação que potencialmente vai acabar na rua, porque não tem uma solução a nível da habitação”, sublinhou.

Traçando o retrato das mulheres abrangidas no estudo, a investigadora disse que são maioritariamente jovens, solteiras, desempregadas, com baixa escolaridade, sem formação profissional e com empregos precários.

“A maior parte são mães, dormem na casa de amigos ou na rua. Algumas partilham de forma instável e com grande alternância as suas vidas com diferentes parceiros”, descreveu.

Apesar da situação de sem-abrigo ser “devastadora para homens e mulheres”, estas são “duplamente penalizadas”: “É como um castigo, uma punição porque já passaram por situações na infância de violência doméstica” e depois acabam por encontrar um companheiro que as maltrata.

Mas mesmo sofrendo estas situações de violência continuam a “idealizar o príncipe encantado”, contou Ana Ferreira Martins.

Apesar de haver instituições vocacionadas e especializadas para mulheres mães vítimas de violência doméstica que as retiram de situação de rua, estas não resolvem a situação de não ter uma habitação.

“Enquanto têm filhos vão tendo respostas que minimizam a situação de extrema vulnerabilidade e violência em que se encontram”, mas quando os filhos são institucionalizado devido à situação de risco em que se encontram, “a mulher cai na rua”.

“Ser mãe é um dos grandes fatores que diferencia a situação de ser homem ou mulher sem-abrigo”, frisou Ana Martins.

Quando caem na situação de sem-abrigo, as mulheres escolhem locais sem grande visibilidade para se esconder, como uma habitação degradada, carros abandonados ou um vão de escada.

A este propósito, recordou a história de uma mulher que viveu durante meses no aeroporto de Lisboa e trabalhava em hotéis a fazer camas.

“O que percebi é que as mulheres tentam sempre o apoio do homem mesmo na rua”, seguindo o modelo patriarcal, adiantou a investigadora, que decidiu publicar o livro para alertar para estes casos e evitar que mais mulheres caiam nesta situação.

Segundo o estudo, a maior percentagem de homens e mulheres sem-abrigo são os que vivem na rua, seguidos dos que pernoitam em albergues.