Este domingo, na vitória diante do Sampdoria, aos 29 anos, Franceso Acerbi, defesa-central do Sassoulo, clube da I divisão Italiana, alinhou no jogo número 100 — sem interrupções — consecutivos pelo clube. 

“Um dia fantástico para celebrar um recorde incrível. Francesco Acerbi jogou em todos os últimos 100 jogos sem perder um único minuto”, escreveu o clube na sua conta oficial do Twitter.

A última vez que o defesa não participou num jogo da equipa aconteceu a 4 de outubro de 2015. Na ocasião, falhou o embate frente ao Empoli devido a lesão. Haveria de voltar duas semanas mais tarde, na vitória por 2-1 à Lazio, para uma vaga que nunca mais deixou sem dono. Foram 86 participações na Serie A, 4 na Taça Italiana e 10 na Liga Europa.

Foi uma sequência que não se inverteu mesmo com três mudanças no capítulo do treinador principal: a jornada começou com Eusebio di Francesco, que este ano se mudou para a AS Roma no final da temporada passada; seguiu-se Cristian Bucchi que foi despedido em novembro; e o seu treinador atual, Giuseppe Iachini. Em momento algum perdeu um minuto de jogo que fosse, ainda que o timoneiro fosse mudando.

Em 2014, o The Guardian assinalou a história do defesa que agora atingiu uma bonita marca na sua carreira. A história começa um ano antes. Num curto espaço de tempo foi operado a um tumor e lutou duas vezes contra a doença que teimou em aparecer.

A primeira rasteira

Foi durante o verão de 2013 que Acerbi tomou conhecimento que estava doente e que o seu corpo lhe iria passar a primeira rasteira. Não decisiva ou fatal, mas uma que lhe iria permitir demonstrar, a todos, o seu carácter de lutador. Tinha acabado de chegar ao clube. Nos habituais testes e exames de pré-época, o responsável pelo departamento médico do Sassuolo, o Dr. Paolo Minafra, tinha alguma reticência quanto ao resultado de alguns deles. Foi então descoberto um tumor no testículo esquerdo de Acerbi. De imediato foi submetido a uma cirurgia para a sua remoção.

A operação correu de feição. E não tardou muito até regressar aos relvados. Em setembro, estava de volta para o jogo com o Hellas Verona. Depois, rapidamente galgou para o onze principal. Não sendo propriamente um jovem a despoletar com idade dum adolescente, visto que entrou “numa fase tardia” no escalão principal do futebol italiano, aos 25 anos, era tido com um dos jogadores a ter debaixo de olho na Serie A, pois era-lhe atribuído o potencial para se tornar num dos grandes defesas da competição. No currículo, antes de assinar pelos neroverdi, conta com passagens pelo Chievo e um período de seis meses pelo AC Milan. Antes disso, jogou em equipas dos escalões inferiores: primeiro pelo Pavia, da região de Lombardia, depois vagueou pelo Reggina e Spezia. Sempre a título de empréstimo, de acordo com os registos do ZeroZero.

No entanto, escreve o The Guardian, que os tempos na cidade milanesa parecem não ter reconhecido o melhor das suas virtudes. Foi durante um período em que a defesa rossoneri perdeu jogadores do calibre de Thiago Silva ou Alessandro Nesta. Pedir a um jogador que entre na equipa no imediato e renda o mesmo que os seus antecessores foi um pouco injusto — e uma missão deveras difícil. E voltou ao ponto de partida, ao Chievo de Verona, onde haveria de fazer apenas 7 jogos. Foi então que fez nova mudança. Esta agora definitiva para o clube que ainda hoje representa.

No Sassuolo, o grau de exigência era menor. Apesar das dificuldades da equipa em adaptar-se ao principal escalão do futebol italiano, Acerbi, a nível pessoal, parecia estar a tomar bem conta de si. Até um teste de rotina no início de dezembro. Estavamos nos últimos sopros de 2013. E Acerbi iria vir a ser suspenso provisoriamente pelo Comité Olímpico Italiano (CONI), depois de ter dado positivo por um produto interdito, na sequência do tratamento a este cancro.

O defesa deu positivo por gonadotrofina coriónica (hCG) num controlo realizado após o jogo do Sassuolo contra o Cagliari (2-2) a 1 de dezembro, a contar para a 14.ª jornada da Liga italiana da temporada 2013/2014. E é sabido que os tumores produzem hCG. Primeiro foram as suspeitas, os rumores, depois a triste confirmação do diagnóstico: o cancro regressara. Porém, ainda assim, alinhou os 90’ na derrota caseira frente ao Chievo, por 0-1, no dia 8. Foi o último jogo que disputou nessa época. Havia de voltar. Mais forte, capaz e para vincar um brilhante exemplo a nível de profissionalismo. Mas já lá vamos.

A segunda ronda de tratamentos

Apesar de ter que voltar ao hospital, contestou a decisão do CONI. E com sucesso. No entanto, os tratamentos revelaram tratar-se bem mais agressivos desta segunda vez. “Tive que fazer quimioterapia. Quatro rondas. Náusias, cansaço, insónia, perda de apetite”. Pelo menos, segundo consta e revelou à revista italiana Sportweek em agosto de 2014, não vomitou. “Possivelmente porque tomei os comprimidos errados. Tomei milhares de drogas diferentes. Já não percebia nada daquilo e tomei um laxativo em vez daqueles que paravam os vómitos. Estive sempre na casa de banho, mas pelo menos nunca vomitei!”

Pelas entrevistas e pelos comentários à imprensa, a boa disposição do jogador salta à vista. É uma postura que vale a pena admirar, mas que esconde um lado menos positivos durante a fase em questão. Ainda que parecesse que estava a levar a situação de forma leve e descontraída, Acerbi passou dois meses no hospital onde perdeu grande porção do cabelo dum momento para o outro e chegou a um ponto onde nem era capaz de reconhecer a sua face quando se olhava ao espelho.

Findo o tratamento, regressou a casa. Mas nem por isso tinha forças para voltar à rotina e ao dia-a-dia. Sair à rua parecia um conceito utópico, se não mesmo impossível. Faltava-lhe as forças no corpo para o fazer. De acordo com a mesma entrevista, durante esta fase arranjou conforto no programa de televisão Masterchef. Numa vã esperança que toda aquela confeção culinária do ecrã fomentasse uma qualquer tipo de disciplina no seu próprio apetite. Algo que lhe ensinou a ver vida com outros olhos.

“Eu era um miúdo caprichoso que ia ficava desvairado se não conseguisse encontrar o telemóvel que queria quando ia às lojas. Agora, concentro-me nas coisas importantes”, disse.

A título pessoal a temporada 2013-14 ficou por aí. Terminou em dezembro, mais concretamente no dia 8. Regressaria mais tarde, quase 9 meses depois, à terceira jornada, na época seguinte. Foi num nulo, num jogo sem golos. Tal como no jogo do recorde, este foi frente à Sampdoria. Alinhou os 90'. No entanto, não ganhou logo ali a titularidade, nem foi o jogo "número um" da caminhada centenária que se estendeu até a este domingo. Porém, foi o prelúdio para arrancar o lugar no onze inicial em jogos com adversários difíceis que aí viriam pela frente, como era o caso da Juventus. E que deu mote para o momento de grande felicidade que ia polvilhar o derbi frente ao histórico e rival, agora caído na desgraça, Parma.

Antes do apito inicial, recorda o The Guardian, as vitórias andavam longe da parada de ambos os clubes. Nos últimos sete encontros, de ambas as equipas, o registo era o seguinte: o Sassuolo vinha de quatro empates e três derrotas; os gialloblu de uma vitória e seis derrotas. O jogo decorreu a 25 de outubro de 2014, no reduto do Parma.

No final, a vitória sorriu aos visitantes. Daquelas confortáveis, por 3-1, em que o resultado foi conquistado ainda na primeira parte. E que assinalou a sétima derrota em oito jogos dos homens da casa. Sergio Flocarri e Saphir Taider marcaram um golo cada, mas foi o golo de Acerbi, aos 23’, que marcou o jogo. Vários foram os companheiros que soltaram as lágrimas quando o defesa-central correu em direção ao banco de suplentes.

A recuperação total deu-se em setembro. Seguiram-se dois jogos internacionais pela seleção transalpina, em amigáveis frente à Albânia. Passaram-se mais de três anos, quatro golos e 100 jogos completos consecutivos sem perder um minuto. Após a vitória alcançada no último domingo, revelou aos jornalistas que Eusebio Di Francesco, seu antigo treinador, queria que descansasse na temporada passada. Algo que recusou porque jogar futebol é aquilo que gosta de fazer.

“Eu não queria parar de jogar, isto é a minha paixão”, revelou o jogador aos jornalistas, de acordo com o Four Four Two. “Nunca estou satisfeito. Preparo-me durante toda a semana; quando estou a comer, a descansar, para que consiga jogar melhor. Depois da minha doença, apercebi-me que não tenho tempo para arrependimentos”, concluiu.