A corrida arrancou com seis cidades candidatas, duas americanas e quatro europeias: Boston, Hamburgo, Roma, Paris, Budapeste e Los Angeles manifestaram intenção de se candidatar à organização dos Jogos Olímpicos 2024, mas Boston foi uma candidata que nem chegou a ser, uma vez que se retirou em Julho de 2015, muito antes do COI constituir a sua shortlist de cidades elegíveis à organização do certame.

Hamburgo também durou pouco. Desde logo, os responsáveis pela candidatura anunciaram que só avançariam depois de um referendo dirigido aos habitantes da cidade que responderam com um enfático “Não”.

A candidatura da cidade eterna manteve-se até Outubro do ano passado, quando a Presidente da Câmara de Roma, Virginia Raggi, do partido populista Cinco Estrelas, tomou uma medida pouco popular e retirou a candidatura romana.

Sobraram Budapeste, Paris e Los Angeles. E tudo indicava que seria este triunvirato que iria discutir entre si a organização dos Jogos Olímpicos, mas eis que, já em Fevereiro deste ano, os budapestinos manifestaram-se sob a forma de uma petição que contou com mais de 250 mil assinaturas a exigir que o dinheiro que poderia ser gasto nos Jogos Olímpicos fosse canalizado para modernizar hospitais e equipar escolas.

Viktor Orbán, como bom ditador que é, fez a vontade ao povo e retirou a candidatura. Os hospitais continuam carenciados, mas o arame farpado que vai impedindo a entrada de refugiados no território húngaro é material de primeira que vê agora uma grande sobra orçamental para continuar a ser reforçado.

Muros à parte, convenhamos que o vídeo promocional da candidatura era um forte argumento:

Ficaram Paris e Los Angeles, e estas já serão irreversíveis, até porque o COI fez as suas visitas técnicas às cidades para perceber as condições que cada uma oferecerá aos atletas e visitantes, e no que beneficiará a longo prazo a cidade vencedora com a organização do evento.

À distância, fazemos a nossa avaliação:

Paris

A cidade luz já recebeu por duas vezes os Jogos Olímpicos, a última das quais em 1924, ou seja, a edição de daqui a 7 anos serviria igualmente de pretexto para assinalar o centenário dos sétimos Jogos Olímpicos de Verão da era moderna.

Paris tem uma ligação umbilical ao desporto e far-se-á valer por isso. Nesse contexto, a edição deste ano de Roland Garros está a ser (ainda mais) mediatizada pelos franceses, como será a icónica última etapa da Volta a França, provavelmente a maior promoção da capital francesa pelo mundo inteiro, com passagem pelo Arco do Triunfo e chegada ao sprint aos Campos Elísios.

A cultura desportiva dos franceses, que a imprensa se orgulha de alimentar, é outro fator a ter em conta, pois é garantia de ter os recintos desportivos cheios de verdadeiros adeptos das diferentes modalidades. Não é raro encontrar capas de jornais de referência, como o L’équipe, com atletas (entenda-se: praticantes de atletismo), ciclistas, tenistas ou nadadores em grande destaque.

O grande ponto de interrogação está na questão da segurança. França tem sido um país vitimado por vários atentados terroristas e, no atual contexto social, o fantasma de Munique’72 torna-se mais presente. Mas também para isso os franceses têm respostas palpáveis, como a recente organização do Euro’2016, uma competição de menor dimensão mas com uma logística mais complicada, visto ter-se disputado em várias cidades.

Los Angeles

À semelhança de Paris, a cidade dos anjos também acolheu por duas vezes os Jogos Olímpicos, nas edições de 1932 e 1984, esta última inesquecível para as cores lusas, já que foi em LA que Portugal conquistou o seu primeiro ouro olímpico por intermédio de Carlos Lopes, na maratona.

Los Angeles também tem uma relação próxima com o desporto, promovida pelas equipas da cidade, verdadeiras embaixadoras mundiais do “LA branding”. Nomes como Lakers, Clippers, Dodgers ou Galaxy são mundialmente conhecidas, associadas ao acrónimo da cidade.

Para afirmar essa identidade, do comité organizador da candidatura de Los Angeles fazem parte Magic Johnson e Janet Evans, dois “Hall Of Famers” do desporto olímpico.

Porventura só haverá um elemento identitário de LA mais forte que o desporto de alta competição: o show business. E esse é um dos pontos mais fortes da candidatura da cidade californiana, sobretudo depois de uns Jogos no Rio de Janeiro abaixo das expectativas no que se refere ao nível de audiências.

Fonte: TV by Numbers

Este dado fez soar os alarmes porque nunca os Jogos Olímpicos tinham sido transmitidos em tantas plataformas e em tantos canais em simultâneo. Muitas competições foram disputadas a horas menos agradáveis para os atletas apenas porque eram mais convenientes aos espetadores, mas mesmo assim, só Sydney teve menos pessoas a ver os JO que o Rio de Janeiro, o que pode significar que os Jogos estão a perder relevância, ao mesmo tempo que perdem referências.

É aí que Los Angeles pretende actuar. A primeira linha programática da candidatura é mesmo “rejuvenescer a marca ‘Jogos Olímpicos’ de forma a torná-la próxima da nova geração” e nada melhor que uma produção “hollywoodesca” para o conseguir.

Foi já neste mês de Maio que a Comissão de Avaliação do COI visitou as duas cidades e, certamente, já tirou conclusões bastante… conclusivas.

A Comissão ficou muito satisfeita com o projeto de ambas as cidades, e de facto ter estas duas candidatas é, já à partida, garantia de sucesso. Mas há um fator que tem de fazer pender a decisão para Paris, independentemente de tudo o resto.

O Comité Olímpico Internacional sempre esteve na linha da frente da defesa de valores como a igualdade, a integração e a tolerância, preservando os Jogos Olímpicos como um espaço asséptico a diferenças políticas, religiosas ou militares. Ainda no Rio de Janeiro o COI deu mais um excelente exemplo ao mundo, ao admitir uma equipa de refugiados.

Nesse sentido, a escolha do COI é muito simples: ou outorga a organização dos Jogos a um país liderado por alguém que representa a antítese dos seus princípios, ou um país que recentemente recusou virar costas a eles.

O argumento anti-populista pode parecer populista, mas como será recebida, por exemplo, a delegação mexicana num país que lhe fechou as portas?!

É certo que em 2024 já Trump não será Presidente dos EUA e em França pode bem estar a governar um ou uma Le Pen qualquer, mas a oportunidade do COI reafirmar o espírito olímpico é agora!

E que melhor maneira tem de o fazer do que atribuir a organização dos Jogos à cidade que viu nascer Pierre de Cobertain?

O Fair Play é um projecto digital que se dedica à análise, opinião e acompanhamento de diversas ligas de futebol e de várias modalidades desportivas. Fundado em 1 de Agosto de 2016, o Fair Play é mais que um web site desportivo. É um espaço colaborativo, promotor da discussão em torno da actualidade desportiva.

João Bastos é o observador da natação nacional e internacional do Fair Play, assinando a rubrica mariPROSA onde poderá encontrar artigos, entrevistas e destaques sobre natação pura.