Pegando na obsessão futebolística em voga, a tomada de decisão, não será de espantar que a idade, o tempo de jogo e o estilo de futebol de cada país, tenham uma influência direta na qualidade da decisão, que a maturidade seja apetecível para um treinador. O papel de um timoneiro é, acima de tudo, criar uma ideia, uma ordem, que parte de premissas que variam entre diferentes técnicos e que contribuem para múltiplos resultados finais. Comandar 11 jogadores num terreno de 100x64 metros (variáveis) não é tarefa fácil e a desordem criada por múltiplas mentes que processam os estímulos de formas totalmente diferentes, fruto da sua nacionalidade, experiência, idade, estilo de jogo ou posição, é inimiga do sucesso.

Assim, o treinador terá de agregar um grupo de jogadores que acredite e, acima de tudo, entenda quais as suas ideias e premissas base ao nível do controlo de espaços, da pressão e da velocidade de jogo. Jogadores que decidam bem são jogadores que percebem o que é que o seu treinador pretende para cada momento de jogo e para cada situação, sendo impreteríveis para qualquer técnico.

A intelectualização do futebol é um processo que divide opiniões, mas inevitável. A procura incessante pelas rotinas, pela automatização de processos, a obsessão pelo controlo do espaço, o uso cada vez mais comum da estatística e das data sciences no processo de preparação de um jogo demonstram essa procura por uma fórmula de sucesso. O acaso deixou de ser tido em conta, tudo passou a ser quantificado, analisado, dissecado e melhorado. O romântico do futebol irá sempre preferir o futebol partido ao futebol pensado, mas este último irá sempre prevalecer e vencer.

O novo papel da formação

A popularidade crescente do futebol profissional, a melhoria da qualidade de vida, os rendimentos cada vez mais elevados dos futebolistas e a exposição mediática dos mesmos criaram a “tempestade” perfeita para que as crianças (e por vezes os pais) procurem esta carreira tão distinta e honrosa para o seu futuro. Neste contexto de proliferação social, a formação assumiu-se como uma pedra basilar no futuro de um clube e como uma porta de entrada para inúmeros jovens de diferentes estratos sociais poderem singrar.

Aliado a esta conjuntura, os clubes compreenderam que a melhor forma de gerar receitas desportivas e financeiras é encontrando uma “nascente” de talento, filtrando-a a partir desse ponto. As crianças são recrutadas numa idade cada vez mais precoce, num processo que se confunde com o trabalho infantil, numa relação que de amor/ódio que tomba para o lado da paixão, do irracional, com pais e filhos a compactuar com esta exploração, esperando poder chegar um dia ao Olimpo dos futebolistas.

As consequências desta profissionalização, desta procura pelo talento ainda jovem, moldável, educável, percebem-se através da curva de rendimento de um jogador ao longo da sua idade. Isto porque, ao contrário do que acontecia há 20 ou 30 anos atrás, a formação técnico-tática é ministrada desde tenra idade, em abundância, com os jovens a compreender o jogo cada vez mais complexo, mais depressa que nunca. A mente é, mais que nunca, mais preponderante que o físico. Por muito que os jovens que maturem mais rapidamente de um ponto de vista físico sejam normalmente os titulares nas camadas jovens, o talento e a compreensão do jogo irão sempre compensar a mais lenta maturação física.

A preponderância do jogador maduro

Apesar da geração mais velha de jogadores ter sido formada numa época onde a formação não era vista com tanto profissionalismo, estes são ainda as bases dos balneários e as extensões dos técnicos em campo. A formação e a instrução, com o seu caráter teórico e de normalização de processos, são incapazes de prever todas as situações que podem ocorrer num jogo, quais as melhores decisões a tomar em cada momento, mesmo que esse momento nunca tenha sido abordado, estudado ou preparado.

E para compreender o jogo dessa forma, nada mais importante do que o tempo de jogo, a experiência, o experimentar novas culturas e modos de jogo. Essa mesma longevidade e maturidade colmatam toda e qualquer deficiência formativa em tenra idade, permitindo aos jogadores mais velhos compensar a perda de valências físicas com o aumento das valências mentais, de antecipação, de decisão.

Não será por isso de espantar que os “idosos” assumam as posições críticas na equipa. Os capitães, jogadores do corredor central, motores e pêndulos da equipa sejam, em regra, os experientes, os conhecedores, as raposas “velhas”. Maldini, Baresi, Buffon, Scholes, Hierro, Zanetti, Xabi Alonso, Pirlo, Ibrahimovic, Lahm, Xavi… Todos eles atingiram o pleno das suas carreiras perto ou até já na casa dos 30 anos. Muitos casos haverão de jogadores que atingiram o seu pico mais cedo, que se desenvolveram mais rápido. Contudo, a experiência de jogo, o moldar da mente em predominância do físico, permitem uma carreira mais longa, mais pensada, mais marcante.

O estrelato antecipado

Não obstante a grande preponderância do jogador maduro, é curioso que o mercado de transferências e os próprios clubes não avaliem estes jogadores condignamente. É costume dizer-se que uma proposta de 15 milhões de euros por um jogador de 30 ou mais anos é irrecusável, ao passo que 30 milhões de euros por um jovem de 20 anos pode ser sempre esticado para obter mais uns milhões. De onde surge este desfasamento? Será que o valor previsível se sobrepõe ao valor atual?

boom da formação abordado acima é o grande responsável pela deslocação da curva de rendimento do jogador ao longo da idade. O corpo humano atinge a sua maturidade perto dos 20 anos, longe da idade dos "velhos" que comandam as equipas. Uma aprendizagem técnico-tática desde tenra idade, aliada a uma maturação física rápida, contribuem para o colmatar das lacunas de experiência que possam existir nesta idade.

É mais fácil para um clube apostar num jovem do que num jogador mais velho, uma vez que demonstra preocupação com o futuro, preparação, trabalho de bastidores, de forma a obter o melhor rendimento de um jogador, ao invés da aposta num jogador feito, pouco identificado com os ideias, história e cultura de um clube.

Investir 30 milhões de euros numa aposta de futuro, que já demonstrou potencial e forneceu rendimento que se supõe ser apenas uma fração de toda a sua capacidade, é tido como uma aposta mais aceitável do que investir 30 milhões de euros num jogador “feito”, que se supõe estar na sua capacidade máxima, que não poderá evoluir mais.

As virtudes e defeitos do jovem jogador

Mbappé, Dembelé, Donnarumma, Renato Sanches, Gelson Martins, entre outros, são exemplos claros de jogadores que se alicerçam numa enorme capacidade física, principalmente no que toca à agilidade e aceleração, para singrarem. Paralelamente, devido à sua tenra idade, são jogadores que perdem em confrontos e estilos de jogo mais físicos, onde a idade, a esperteza, se sobrepõe à velocidade e à capacidade de trocar de direção.

Por outro lado, a ingenuidade destes jogadores, de um ponto de vista tático, permite-lhes ser criativos, desvirtuar as organizações montadas pelos treinadores e regressar o jogo anárquico que o romântico do futebol aprecia e clama. Não será de estranhar que o jovem jogador ganhe rapidamente o coração dos adeptos: a sua raça, vontade, velocidade e agilidade compensam a sua falta de esperteza e criam uma sensação de entrega total ao jogo, própria de quem não conhece ainda todas as suas subtilezas. Esse pontapé no marasmo tático que entorpece o futebol atual é indispensável para o desequilíbrio, a base do golo e do espetáculo. É, contudo, nesta ingenuidade que surge também o perigo para a própria baliza, desordenando de tal forma a equipa, obrigando os colegas a compensar o erro em demasia, que leva a que o perigo ronde sempre.

No meio está a virtude

Uma equipa nunca poderá ser equilibrada apenas com jogadores cerebrais, da mesma forma que nunca se equilibrará recorrendo apenas a virtuosos. A juventude e a velhice devem sempre complementar-se, com permissão para o erro e capacidade para a sua antecipação e para a sua compensação.

O atual mundo futebolístico coloca a sua ênfase no jogador jovem, talvez espantado pela maturidade precoce, pela capacidade de romper com as regras pré-concebidas do futebol atual, de retornar alguma da anarquia do futebol espetáculo a este desporto cada vez mais intelectual, pensado, elitista.

Mas o “desprezo” ou a desvalorização de um jogador pela sua idade avançada (sendo que, muitas das vezes, os jogadores "velhos" não têm mais de 30 anos) não poderia estar mais errado: são estes as bases das equipas, os pensadores dos jogos, os motores. A experiência irá sempre prevalecer sobre a ingenuidade. E, mais que nunca, o ingénuo precisa do experiente, para errar e poder levantar-se para errar novamente.

Kroos (27 anos), Modric (32 anos), Busquets (29 anos), Matic (29 anos), Sergio Ramos (31 anos), Lewandowski (29 anos), Gabi (34 anos), Godín (31 anos), Chiellini (33 anos). Todos próximos dos 30 anos, alguns já "velhos" segundo os parâmetros dos novos treinadores de bancada. Mas as bases das grandes equipas, ainda que passem, muitas das vezes, despercebidos, ofuscados pelos jovens Dybala, Rashford, Asensio, Koke, Saúl… Para que um Bernardo Silva apareça, é necessário um Moutinho; para que um Gelson apareça, é necessário um William Carvalho; para que um André Silva apareça, é necessário um Marcano; para que um Lindelof apareça, é necessário um Luisão.

A meninice relembra à velhice da beleza do jogo; a velhice relembra a meninice da responsabilidade do futebol.

Bracarense de nascença, Benfiquista de paixão, Portuense por escolha. Pedro Afonso é o editor do Fair Play para o futsal. Mais do que viver desalmadamente uma camisola, procuro encontrar a ciência, o determinismo, dos desportos em que a bola beija a rede após um pontapé. Licenciado em Ciências Biomédicas, a escrita desportiva surge como meio de me aproximar de uma paixão, sempre com a racionalidade que a seriedade do assunto nos exige.

Fair Play é um projeto digital que se dedica à análise, opinião e acompanhamento de diversas ligas de futebol e de várias modalidades desportivas. Fundado em 1 de Agosto de 2016, o Fair Play é mais que um web site desportivo. É um espaço colaborativo, promotor da discussão em torno da actualidade desportiva.

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