No início do mês de fevereiro, o mercado português de apostas desportivas paralisou. De repente, sites e apostas físicas foram suspensas. A causa? Um fluxo anormal de dinheiro apostado no encontro entre o Feirense e o Rio Ave, mais precisamente, 100 mil euros de um apostador, com origem na China. A aposta teria sido feita a favor da formação de Santa Maria da Feira.

Ora foi esse tema quente que Andreas Krannich veio falar às Footbal Talks: manipulação de resultados. O assunto não é novo, remete-nos para antes de 2000, mas a revolução digital, o acesso a tudo e em qualquer lado, tornou o jogo mais difícil.

A própria manipulação também evoluiu, conta o alemão da Sportsradar. Se antes se apostava em quem vencia o encontro, agora aposta-se, por exemplo, em quantos golos marca uma equipa. É fácil ver a sintonia entre o momento em que uma equipa decide deixar de marcar e os valores nos ecrãs de apostas volumosas em como essa equipa não vai chutar a bola para o fundo das redes, de novo.

Os mercados são o espelho do que acontece dos relvados, de uma prática que acaba por fazer três vítimas, conta Krannich: as casas de apostas, o desporto e as federações.

O exemplo dado no início não foi utilizado por ser apenas o mais recente. O dinheiro provinha da China e é esse mesmo mercado, o asiático, onde há mais apostas: 75% do total. Como? Suportados por uma grande cultura de apostas e de jogo, os asiáticos apostam muito por pequenas margens, através de diferentes operadores. E é uma zona do globo onde a (muita) liquidez possibilita tais transações.

E esta é uma temática onde “há muito para fazer”. Os problemas surgem, num primeiro ponto, na legislação. Há limites jurídicos, há falta de recursos, há falta de preocupação, revela Krannich.

Depois os atores. No grande palco não se olha para os bastidores. Em casos de manipulação, os jogadores, treinadores e árbitros estão no centro da ira e da sentença pública. O alemão da Sportsdata, líder global na deteção, prevenção e investigação de manipulação relacionada com apostas em variados desportos por todo o mundo, discorda: “os jogadores, treinadores e árbitros são parte do problema, mas não são o centro do problema”. “Há enormes organizações por de trás”, revela.

Lutar contra tudo isto é "uma luta sem fim" diz Krannich, salientando que este é um trabalho "de resultados aparentemente pouco visíveis". E apresentou números:  desde 2009 foram descobertos 2.900 jogos combinados, nada mais, nada menos do que menos de 1% dos monitorizados. Daí saíram 200 culpados, sancionados, e 24 culpados e julgados criminalmente.

“Há muito a fazer para proteger o desporto”, concluiu.

Após relembrar os escândalos que atravessaram continentes - na UEFA foram descobertos e punidos escândalos envolvendo dois clubes, o KS Skenderbeu, da Albânia, e o FK Kruoja, da Lituânia; e na Ásia envolvendo a própria federação do Laos -, Andreas Krannich disse que o futuro tem um caminho que passa "pela prevenção e educação" do público em geral, mas não só, também dos participantes, que terá de ser conjugada com como um aumento da vigilância e monitorização dos eventos desportivos.

A conferência da Federação Portuguesa de Futebol, Football Talks 2017, terminou hoje, 24 de março no Centro de Congressos do Estoril. Reveja o acompanhamento do SAPO 24 aqui.