A natação não é um desporto em que haja uma especialização promovida por caracteres genéticos, anatómicos ou morfológicos, tão evidente como, por exemplo, no atletismo, onde os jamaicanos dominam os sprints, os quenianos e as etíopes o fundo e os polacos os lançamentos.

Mas, também na natação, há algumas provas, distâncias ou estilos que se identificam mais com determinada nação. Por exemplo, dos últimos seis recordistas mundiais dos 200 metros bruços masculinos em piscina longa, três são japoneses; a Austrália já deu ao mundo especialistas em provas de livres como Ian Thorpe, Grant Hackett, Lisbeth Trickett, Dawn Fraser, Shane Gould, Kieren Perkins ou, mais recentemente, Cate Campbell, Cameron McEvoy, James Magnussen e Kyle Chalmers; os americanos…bom, os americanos são bons em tudo, mas repare na progressão do record mundial dos 100 metros costas masculinos, nos últimos 40 anos:

O caso Português

No caso português, houve uma prova em particular que nos deu os melhores resultados internacionais: os 200 metros bruços. Foi nesta prova que a natação portuguesa chegou à sua única final olímpica quando Alexandre Yokochi foi 7.º classificado na distância, nos Jogos de Los Angeles em 1984.

Ainda hoje o feito olímpico de Yokochi é tido como o momento mais alto da natação lusa, mas o nadador do SL Benfica não ficou por aí. Foi vice-campeão europeu de juniores e de seniores, e campeão mundial universitário, sempre na mesma prova: 200 metros bruços.

Yokochi terminou a sua carreira após os Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992, mas Portugal não esperou muito pelo próximo dominador do estilo de bruços. Com apenas 18 anos, José Couto qualificou-se para os Jogos Olímpicos de Atlanta’96.

Um dos pontos altos da carreira de Couto viria a acontecer em casa, quando nos Europeus de Piscina Curta de 1999, disputados na piscina do Jamor, adaptada para o efeito, o nadador do Sporting CP sagrou-se vice-campeão europeu dos 200 metros bruços, dois dias depois de ter obtido o bronze nos 100 metros da mesma técnica.

A segunda metade da sua prova de 200 metros foi absolutamente excecional:

Depois de um período mais conturbado da sua carreira, que culminaria com a troca do Sporting CP pelo Clube de Natação da Amadora, Couto voltaria a brilhar num palco internacional. Foi em 2002, desta vez em Moscovo e nos Mundiais (também de piscina curta), que o brucista português se sagrou vice-campeão do mundo dos 50 metros bruços, obtendo assim medalhas internacionais nas três distâncias da técnica de bruços.

José Couto terminou a sua carreira em 2004, nos Jogos Olímpicos de Atenas, os mesmos para os quais a jovem Diana Gomes, de apenas 14 anos, se apurou para nadar os 100 e os 200 metros bruços.

Um ano depois, nos Europeus de Juniores de Budapeste, Diana sagra-se bicampeã da Europa (nos 100 e 200 metros bruços), juntando mais um bronze, nos 50 metros bruços.

Julgava-se estar encontrado um dos maiores, se não o maior talento de todos os tempos da natação portuguesa, mas lamentavelmente Diana Gomes estagnou a sua progressão e nunca conseguiu ter no escalão de seniores o desempenho que havia tido em júnior. Apesar de hoje ainda só ter 27 anos, a sua última competição internacional foi em Pequim’08, aos 19 anos…

Há vida para além de bruços

Indubitavelmente, foi nos 200 metros bruços que Portugal escreveu as páginas mais douradas da sua história na natação mundial. Mas há outra prova que há já vários anos tem tido excelentes executantes, em ambos os géneros, o que se tem traduzido numa continuada evolução dos respetivos recordes nacionais: os 200 metros mariposa.

Nas senhoras, as únicas quatro classificações no top-20 em Jogos Olímpicos foram precisamente nessa prova: Sandra Neves (18.ª) em Seul’88, Joana Arantes (19.ª) em Barcelona’92, Raquel Felgueiras (20.ª) em Atenas’2004 e Sara Oliveira (19.ª) em Pequim’2008. A nível de juniores, o nosso primeiro (e único, durante 10 anos) título europeu foi obtido por Ana Francisco, em Genebra’95… nos 200 mariposa, claro está.

Também nos homens, esta tem sido uma prova com um excelente nível em Portugal. Considerando só o século XXI, o recorde nacional absoluto dos 200 metros mariposa evoluiu mais de 5 segundos em piscina olímpica e mais de 6 em piscina curta. Tudo graças a nadadores como Pedro Oliveira, Diogo Carvalho, Duarte Mourão, Simão Morgado e Luís Monteiro, aos quais se podem juntar os nomes de Miguel Nascimento, Nuno Quintanilha, João Araújo ou Fábio Pereira, que muito contribuíram (e contribuem) para o aumento da competitividade interna da prova.

Atualmente, nada-se com estilo(s)

O historial da natação portuguesa revela-nos que as características antropométricas e biomecânicas médias dos nadadores portugueses favorecem o desenvolvimento das chamadas técnicas simultâneas (mariposa e bruços) e, nesse sentido, há outra especialidade onde os nadadores podem (e estão a) dar cartas: as provas de estilos, sobretudo os 200 metros estilos.

Com efeito, as glórias da natação nacional mais recentes têm vindo pela mão de Diogo Carvalho e Alexis Santos, com Victoria Kaminskaya a aproximar-se cada vez mais da elite internacional.

Diogo Carvalho é um dos nadadores com maior currículo da natação portuguesa. Os pontos mais altos da sua carreira são as duas medalhas de bronze nos Europeus de Piscina Curta, ambas na prova de 200 metros estilos, nas edições de Herning (2013) e Netanya (2015).

Carvalho tem uma malapata com os Jogos Olímpicos, onde já ficou às portas das meias-finais nas três edições em que participou (Pequim, Londres e Rio de Janeiro). Em Tóquio poderá ter a derradeira oportunidade de quebrar o enguiço e conquistar uma posição mais consentânea com a sua qualidade e estatuto.

O nadador aveirense sempre foi um excelente nadador de estilos nos escalões de formação, mas parecia mais um destinado a cruzar-se com a mariposa. O certo é que há 10 anos bateu o seu primeiro record nacional absoluto dos 200 metros estilos e, desde então, já o fez evoluir 14 vezes, entre piscina curta e longa. Foi, inclusivamente o primeiro português a nadar abaixo dos 2 minutos, em piscina olímpica.

Alexis Santos começou a notabilizar-se como costista. E continua a dar boa conta de si na técnica de costas a nível internacional, mas definitivamente é a estilos que se projeta como um dos melhores nadadores do planeta.

Depois de Yokochi, é Alexis que detém a melhor classificação da natação pura portuguesa em Jogos Olímpicos. O sportinguista teve um ano de 2016 absolutamente memorável, chegando à meia-final dos 200 metros estilos no Rio – na sua estreia olímpica –, três meses depois de conquistar a medalha de bronze na mesma prova, nos Europeus de Piscina Longa de Londres.

Tem sido um privilégio para os adeptos da natação poder vivenciar esta espécie de confronto Phelps-Lochte à portuguesa, entre Alexis e Diogo. Os dois têm trilhado um caminho novo para a natação portuguesa. Basta ter em consideração que, pela primeira vez, Portugal teve dois nadadores qualificados para os Jogos Olímpicos com o mínimo A na mesma prova, e que esta rivalidade amiga tem feito baixar substancialmente os recordes nacionais das distâncias de estilos (100, 200 e 400 metros estilos).

Mas também no feminino há uma referência que, cada vez mais, se assume no panorama internacional. Victoria Kaminskaya, ao contrário de Diogo e Alexis, sempre foi uma especialista “pura e dura” das provas de estilos, e foi no escalão de júnior que começou a contestar a supremacia da nadadora Nádia Vieira, até então intocável nas distâncias do “medley”.

Com uma evolução contínua e ininterrupta, Victoria tem levado as melhores marcas nacionais de estilos a níveis inimagináveis para a realidade portuguesa.

Presença assídua em todas as competições internacionais desde 2012, a nadadora de 21 anos, nascida na Rússia, é, para já, a 12ª melhor mundial do ano nos 400 metros estilos em piscina longa, com o seu novo record nacional de 4:42.39 estabelecido na Flandres Speedo Cup, numa prova em que só foi batida pela recordista do mundo Katinka Hosszu.

Apesar de estarmos perante três nadadores de excelência que ainda podem vir a atingir patamares superiores, os mesmos não estão desacompanhados no panorama nacional, o que representam perspetivas animadoras para o que o nosso país pode evoluir nesta especialidade.

O jovem Gabriel Lopes está cada vez mais perto do nível de Alexis e Diogo. Na sua primeira época de sénior (2015/2016), o nadador do Clube Desportivo Lousanense teve uma excelente evolução, ficando muito próximo de ser o terceiro nadador português a baixar da barreira dos 2 minutos nos 200 metros estilos.

Esta época já deu boas indicações, nomeadamente nos mundiais de curta de Windsor, e recebeu, já depois dessa competição, um companheiro de treino de luxo: Diogo Carvalho.

João Vital (18 anos) e Tomás Veloso (21 anos) são também jovens “estilistas” com aspirações legítimas a marcar presença na capital japonesa em 2020. Mais vocacionados para a prova mais longa (400 metros), vêm paulatinamente melhorando as suas marcas e cimentando o seu estatuto internacional. Sobretudo Vital que, em 2016, por três vezes baixou o recorde júnior dos 400 metros estilos em piscina longa, que era pertença de Alexis Santos, e em piscina curta tem-se aproximado consistentemente da barreira dos 4’10.

Perante as evidências, é constatável que em Portugal há condições competitivas para fazer evoluir uma especialidade que tem a vantagem de não ser especializada. O facto de termos bons nadadores de estilos significa, também, que temos nadadores com potencial para evoluir outras técnicas: Alexis Santos é recordista nacional dos 50 metros costas, Diogo Carvalho é recordista nacional dos 100 metros mariposa, Victoria Kaminskaya é a segunda melhor nadadora de sempre dos 200 metros bruços, assim como Gabriel Lopes é o segundo melhor dos 100 metros costas.

O potencial está aí e entusiasma qualquer adepto da modalidade que deseja ver Portugal melhor cotado entre a elite mundial. Mas o potencial por si só não chega. Há que capitalizar o talento desta geração e pôr Portugal a nadar com estilo(s).

O Fair Play é um projecto digital que se dedica à análise, opinião e acompanhamento de diversas ligas de futebol e de várias modalidades desportivas.

João Bastos é o observador da natação nacional e internacional do Fair Play, assinando a rubrica mariPROSA onde poderá encontrar artigos, entrevistas e destaques sobre natação pura.