Recuemos um mês, à primeira madrugada de jogos. Em menos de 5 minutos, Boston perdia Gordon Hayward para o resto da época (com uma perna partida um pouco acima do tornozelo) e eram suplantados pelos Cavs, iniciando o ano derrotados pelo principal rival na Conferência Este e ficando sem um dos seus melhores jogadores. Este jogo acabou por nos enganar em dois sentidos: os Cavs têm muito mais problemas do que mostraram nesta partida, ao passo que os Celtics estão cheios de soluções e são liderados por um treinador soberbo. Horas mais tarde, os Warriors recebiam os anéis de campeão, disparavam para uma vantagem de 13 pontos à entrada do último período ante os Rockets, mas acabariam por perder na Oracle Arena frente à equipa de Houston. Steve Kerr, treinador de Golden State, agarrou-se à deficiente condição física dos seus atletas para explicar o desaire.

Muito mudou, entretanto. Boston vai numa série de 13 vitórias consecutivas e, para além de Hayward, já teve de alinhar em alguns jogos sem Al Horford e Kyrie Irving (este último acabou mesmo por fraturar um osso na face e vai jogar de máscara protetora). Mas como é que um plantel tão jovem, com tantas caras novas, deu a volta a um começo de 0-2 para 13-2? Apesar de Irving começar a ter argumentos para a sua primeira candidatura a MVP se os Celtics continuarem a dominar o Este desta forma, há um responsável ainda maior por tudo isto: o treinador, Brad Stevens.

Stevens não é só um genial estratega, famoso pelo seu aproveitamento em jogadas após descontos de tempo, como é também um comunicador exemplar capaz de tirar o melhor dos seus atletas. O trabalho que ele e o seu staff fizeram com Irving defensivamente, em poucos meses, é incrível e a prova do quão importante o coaching realmente é para alcançar o sucesso ao mais alto nível.

O base All-Star dos Celtics deixou de ser um patinho feio na defesa. Antes desta temporada, nunca tinha conseguido um defensive rating (pontos marcados pelo adversário por cada 100 posses de bola) abaixo de 104,5, quando está em court. Ao fim de 14 jogos, esse valor está nos 96,2 pontos por 100 posses, uma melhoria de 12,9 (!) em relação à época transata. Irving até está no TOP5 em roubos de bola por jogo (com 2 de média) e com um mínimo de carreira em turnover ratio de 7,4 (percentagem de posses de bola que acabam em recuperação do adversário).

Como é que isto foi conseguido? Tem claramente melhores colegas de equipa no que toca a defender, em relação aos que tinha Cleveland; os Celtics seguem melhores esquemas defensivos e Kyrie Irving tem, finalmente, um treinador que o convenceu a esforçar-se quando a sua equipa não tem a bola. Ele, simplesmente, não estalou os dedos e aprendeu a defender. É trabalho.

Claro que a fantástica defesa dos Verdes não é a melhor da NBA apenas graças à transformação do seu base. Boston concede somente 94,8 pontos por 100 posses de bola, 3,9 pontos melhor que os Thunder, e depois mais nenhuma equipa está abaixo dos 100. Tudo isto porque eles são elite nos três pilares defensivos que considero mais importantes: ressaltos, percentagem de acerto adversária e turnovers.

Ao nível do ressalto, naturalmente que os defensivos têm maior preponderância, já que retiram ao adversário posses de bola próximas do cesto. Aqui, os Celtics captam os defensivos em 81,2% dos lançamentos falhados pelos seus oponentes (4.ª melhor da NBA) e 53,1% de todos os ressaltos em disputa em cada partida (2.ª marca da liga).

No capítulo dos turnovers, juntemos o facto de perderem a bola em apenas 14,7% das posses de bola (6.ª melhor da liga) à realidade em que só 6,5 dos turnovers por jogo resultam em roubos de bola (1.º da NBA), ou seja, na imediata possibilidade de contra-atacar.

Por último, todas as equipa estão a ter enormes dificuldades em marcar lançamentos de campo contra os pupilos de Brad Stevens. Apenas 42,6% de acerto (2.º registo da liga) e na arma mais importante da liga no presente, os triplos, mantêm-se ao nível das melhores com 32,1% de acerto dos adversários (3.º registo da liga). Temia-se que a troca que levou Avery Bradley para Detroit (por troca com Marcus Morris) pudesse afetar muito defensivamente o desempenho da equipa, já que Bradley é um dos melhores bases defensivos da liga. Contudo, a estrutura não abalou assim tanto.

Mesmo com a baixa para o resto do ano de um elemento com excelentes atributos defensivos como Hayward, o plantel tem imensas soluções. A combinação de bases Irving, Marcus Smart e Terry Rozier, os jovens wings Jaylen Brown e Jayson Tatum, e um dos melhores postes defensivos da actualidade, Al Horford, mostra que os Celtics possuem um plantel em que quase todos são capazes de defender várias posições, realizar trocas defensivas após bloqueios, deslizar na ajuda em ataques ao cesto e, mesmo assim, chegar a tempo de contestar um triplo no canto. A melhor defesa da NBA é a grande candidata a chegar à Final no Este.

Do outro lado dos Estados Unidos e a dominar as estatísticas no lado oposto do court (recuperando o registo avassalador que nos vêm habituando desde 2014), os Warriors estão no caminho certo para alcançarem o melhor ataque da história da NBA. Nada disto é surpreendente. É o segundo ano de Kevin Durant na equipa, mantiveram toda a estrutura ganhadora e melhoraram bastante o banco de suplentes. O verdadeiro poder de ser a melhor equipa da liga na atualidade é a capacidade para atrair um role player como Omri Casspi ao preço da chuva. Só por curiosidade, os Warriors são superiores ao adversário em 35 pontos por 100 posses de bola nos 99 minutos que o israelita já jogou e ele ainda não falhou um triplo.

Agora é aquela parte em que todos ficam espantados ou se fingem espantados pela brutalidade dos números do início de temporada de Golden State que, recordo, perdeu 3 dos primeiros 7 jogos e teve o calendário mais complicado de todos os franchises até à data. O melhor ofensive rating de sempre, segundo o site Basketball Reference, é dos Lakers de 86/87, com 115,6 pontos marcados por 100 posses de bola. (Há sites que apresentam resultados um pouco diferentes, o que não está relacionado com a capacidade ofensiva das equipas, mas sim com a maneira de contar posses de bola que difere um pouco.)

Qualquer que seja o comparativo, até ao momento os Warriors marcaram 116,6 pontos por 100 posses (segundo o site da NBA; 117,5 pelo BBallRef) e o mais assustador é que este número tem tendência a melhorar. Este valor é o culminar de todas as coisas brilhantes que estes rapazes fazem quando entram em campo, porém, só quando o desdobramos em muitos outros valores é que percebemos o quão especial é esta geração da NBA.

Conhecem o clube dos 50-40-90? Steve Nash, Dirk Nowitzki, Reggie Miller, Larry Bird e os dois Dubs, Curry e Durant, são alguns dos membros mais ilustres. É um restrito grupo composto pela combinação das percentagens de acerto de lançamentos de campo, triplos e lances livres. Normalmente, um ou outro jogador consegue este feito que, apesar de raro, com o evoluir da eficiência na liga, se tornará um pouco mais “fácil” de atingir. Pois bem, os Warriors podem tornar-se na primeira equipa a satisfazer as duas primeiras condições na equação!

Sejamos honestos: para um coletivo lançar acima de 90% da linha de lance livre vai ser preciso um grande milagre, já que nunca nenhuma passou dos 83%. Golden State está a lançar 52,1% de campo, 41,5% de 3pt e 82,8% de lances livres. Não só poderão ser os primeiros a conseguir o 50 e o 40, como podem ser pioneiros em alcançar os 83% em lances livres.

Como é que os Dubs conseguem ser tão eficientes? A eFG% (effective field goal%, que significa a % de acertos de campo, mas com uma média ponderada no facto de um triplo valer mais que um duplo) deles é 5,1% superior à segunda mais alta, dos Rockets (60,2% vs 55,1%). São os mais talentosos? Sim. Têm um coaching staff fabuloso? Verdade. Todavia, há algo que tem tanta importância quanto o talento do plantel.

A solidariedade entre eles, a noção de que muitas vezes o melhor lançamento disponível não é o que o "eu" posso executar agora, mas sim o do “meu colega” que se libertou do bloqueio no weak side (lado oposto da jogada) ou do "meu" poste que está "abandonado" debaixo da tabela. É por isso que os actuais campeões assistiram em 70,5% dos lançamentos de campo concretizados o ano passado, e esta época já o fizeram em 69,8% das posses de bola com sucesso. Não há qualquer equipa perto.

A grande pergunta que fica é: será que Steph Curry terá a utilização necessária para conseguir o seu terceiro MVP? Para já, digo que não. Com Kawhi Leonard de fora da equação por lesão e os Cavs com dificuldades em conseguirem sequer entrar no TOP8 do Este, James Harden deve conseguir o seu merecidíssimo galardão. Só deixei esta pergunta no ar porque cada vez mais parece que Curry está ao nível que mostrou em 2016 quando foi MVP por unanimidade. E não, não me esqueci dos dois Dark Horses, Giannis Antetokounmpo e Kristaps Porzingis.

Curry continua a ser o jogador com maior poder gravitacional na NBA, que não é mais do que a capacidade de atrair até si defensores em excesso, principalmente em contra-ataque, deixando o resto do court à mercê dos seus colegas. Lidera a liga em net rating (23,5!) e Offensive rating (122,6), mas só tem jogado 32 minutos por partida, insuficiente para MVP.

Para terminar, e porque esta deve ser a diferença mais ridícula entre os Warriors e os outros, os Dubs marcam 27,6 pontos em contra-ataque por encontro. A equipa que mais se aproxima são os Denver Nuggets com 15,2. De facto, a diferença entre 1.º e 2.º (12,4) é superior ao valor entre os Nuggets e os Portland Trail Blazers (11,6), que são quem menos marca em transição na NBA (somente 4,6 por partida). Fica aqui mais uma prova do poder gravitacional de Steph Curry.

Ainda não está provado que faça mal à saúde ver tanta NBA como eu, portanto vou aproveitando antes que a medicina evolua nesse sentido. João Portugal escreve para o Fair Play. Dúvidas, reparos, perguntas, comentários sobre este ou qualquer outro tema, o seu Twitter está sempre disponível.

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