Há 30 anos quando iniciei a minha prática desportiva no Futebol como federada, recordo-me de simplesmente desfrutar do prazer de jogar à bola, fintar, correr e marcar golos como tantas crianças — não tantas raparigas — e nem nos meus maiores sonhos me passava pela cabeça um dia jogar na Seleção ou entrar em Competições Internacionais.

Era só uma rapariga que se juntava a mais umas quantas que jogavam futebol melhor que muitos rapazes e que aos olhos da sociedade era algo estranho e diferente.

A ambição que, pelo menos, eu sentia em relação ao Futebol Feminino estava longe de perspetivar que algum dia mulheres pudessem provar que sabem jogar futebol e com uma classe intrínseca às suas características. Muito menos apresentar-se em Competições de igual valor às dos homens e que lhes aufere direitos mais do que merecidos pelas capacidades, entrega e dedicação que assistimos ano após ano nos clubes onde jogam.

Tive alguma sorte em passar por Clubes exigentes e conhecer Treinadores e Jogadoras com capacidades únicas, fossem elas de transmissão de conhecimentos, como de demonstração de qualidades técnicas como de passagem de princípios morais que me marcaram para sempre. Estas são algumas das condições que nos preparam ou empurram para voos mais altos.

Daí a ganhar títulos, chegar à Seleção e participar em Competições Internacionais serão os próximos passos seguindo a lógica da evolução e acreditando no trabalho e talento das jogadoras. E é isso que está a acontecer com cada uma das jogadoras que este ano irão participar no Europeu de Futebol Feminino que tantas antes delas ansiaram e não menos o mereceram.

créditos: Silvia Brunheira

Acredito, pois, que este é um resultado absolutamente partilhado e sentido por tantas miúdas/raparigas/mulheres que desde há mais de 40 anos lutam pelo seu crescimento e desenvolvimento. Há que valorizar o percurso histórico de jogadoras como Carla Cristina, Carla Couto ou Edite Fernandes que deixaram a sua marca na Seleção Nacional mas que não chegaram a participar num Campeonato da Europa. Parafraseando a Jogadora do Boavista Cláudia Lima no passado dia 27 de junho antes de, por infortúnio, se ter lesionado: “(…) Não carregamos apenas o nosso sonho, carregamos também o sonho de muitas gerações anteriores, por isso, vamos lá para dar o nosso melhor. Estar lá já é um sonho para todas".

Bravo o investimento da Federação apostando mais nesta modalidade tanto a nível financeiro como ao nível da sua divulgação. Palmas aos Clubes que criaram e desenvolveram equipas femininas de Formação que fizeram despontar esta nova geração. Incrível o esforço de jogadoras em rumar ao estrangeiro e investir também elas na sua evolução como jogadoras em regime profissional ou semiprofissional e abdicando de empregos e largando os estudos precocemente. De facto, muitas delas venceram e algumas são hoje consideradas umas das melhores a jogar na Europa.

Inevitável o sucesso e este grande passo rumo ao Euro 2017 na Holanda que acredito ser uma experiência única por ser inédita para a nossa Seleção mas que não seja a última. Nestes dias de início de preparação sei exatamente o que as jogadoras sentem: uma ansiedade e euforia que só são momentaneamente acalmadas descarregando as energias em cada treino.

Mas é essencial que também sejam preparadas para controlar essa euforia, e, citando a nossa Capitã Cláudia Neto na recente Conferência de Imprensa (3 de Julho): "dar o máximo e pensar jogo a jogo", aplicando com inteligência toda essa energia. Para esta competição, o rigor e a concentração coletivas serão os pilares para fazer despontar as capacidades técnicas individuais.

Olhando para o grupo de Portugal – Grupo D: Inglaterra, Escócia, Espanha, Portugal – podemos afirmar que, não sendo fácil, é talvez o mais acessível. Em março de 2016, a Inglaterra representava o 6º lugar do ranking Mundial, Espanha o 14º, Escócia o 21º e Portugal o 38º. É talvez mais suave comparando com uma potente Alemanha que na mesma altura ocupava o 1º lugar do ranking ou a França no 3º por exemplo.

Acredito, pois, que Portugal irá encher-nos de orgulho porque tem capacidade, talento e perseverança para chegar o mais longe possível nesta competição.

Como um dia, antes de rumar ao Sporting, ouvi na televisão Joana Marchão, uma das novas jogadoras desta nova geração afirmar que “o sonho comanda a vida”, é assim que devemos encarar este novo desafio. Com muita ambição e alma, tal a nação aventureira que representamos. E é este o sonho de gerações que cresceu no Futebol Feminino.

Boa sorte Portugal!

Silvia Brunheira representa a equipa de futebol feminina do Clube Futebol Benfica. Internacional A em 61 ocasiões, acumula no seu rico palmarés a conquista de 13 Campeonatos Nacionais, 9 Taças de Portugal e 1 Supertaça. Editora do Fair Play destacada para o futebol feminino.

Fair Play é um projecto digital que se dedica à análise, opinião e acompanhamento de diversas ligas de futebol e de várias modalidades desportivas. Fundado em 1 de Agosto de 2016, o Fair Play é mais que um web site desportivo. É um espaço colaborativo, promotor da discussão em torno da actualidade desportiva.