A diferenciação da Taxa Social Única (TSU) por tipo de contrato é uma das medidas em discussão na Concertação Social no âmbito do combate à segmentação do mercado de trabalho, mas, em entrevista por escrito à Lusa, Bagão Félix defende que esse combate deve ser feito através de uma “flexibilidade diferenciada”.

“Não se pode tratar da mesma maneira o que é diferente, ou seja, empresas de grande dimensão e micro e pequenas empresas”, sublinha o ex-ministro do Trabalho e da Segurança Social do governo de Durão Barroso.

“Em vez de penalizar os contratos a termo legais, repito legais, com o agravamento da TSU, parece-me preferível que haja uma percentagem máxima de uso deste instrumento de flexibilidade contratual dentro de cada empresa e pelo número de renovações sucessivas”, propõe ainda o ex-ministro das Finanças do governo de Santana Lopes.

Para o antigo governante, o aumento da TSU para os empregadores “é economicamente ingénuo e desconhecedor do mercado”, pois “seria repercutido para trás, ou seja, na diminuição do salário da pessoa contratada a prazo”.

Bagão Félix é conhecido como o ‘pai’ do Código do Trabalho de 2003, lei onde constavam a mexidas da TSU. A norma, que nunca chegou a ser aplicadas por falta de regulamentação, estabelecia que a taxa contributiva a cargo do empregador poderia ser aumentada “em função do número de trabalhadores contratados a termo na empresa e da respetiva duração dos seus contratos de trabalho”.

O economista considera que o combate à precariedade “é uma prioridade social indiscutível”, em linha com o que defende também o atual ministro do Trabalho. Contudo, defende que, antes de se mexer na lei, deve primeiro acabar-se com “o sentimento de impunidade resultante do acentuado grau de incumprimento das normas laborais.” Ou seja, diz, são necessárias “leis que reforcem o Estado fiscalizador em detrimento do Estado controlador de procedimentos meramente administrativos”.

Por sua vez, Bagão Félix defende não ser necessária uma maior liberalização dos despedimentos, acrescentando que “basta olhar para a última década para se perceber isso”, sobretudo “por via dos despedimentos coletivos e das ‘falsas’ rescisões amigáveis”.

“O problema da flexibilidade não está nos despedimentos, está na contratação”, afirma o antigo governante, para quem “a segurança de emprego já não é total, nem vitalícia”.

“A flexibilidade laboral favorece os empregos”, defende Bagão Félix, questionando: “Alguém pode imaginar contratos sem termo de 40 anos em plena época digital, por exemplo, no sistema financeiro?”

Resumindo, “nem precarização eticamente reprovável, nem protecionismo exagerado que esconde as diferenças e o mérito”, frisa o ex-ministro do Trabalho.

Quanto à dinamização da negociação coletiva, outra das prioridades do atual ministro, Bagão Félix é favorável à manutenção da norma da caducidade das convenções, introduzida no Código de 2003, sublinhando que devem ser eliminados “os bloqueios” ao “ajustamento” dos contratos, como acontece nos países mais desenvolvidos da Europa.

“Subsistem, ainda, muitas convenções coletivas feitas à medida de um mundo que já não existe, e que na aparência da defesa dos chamados ‘direitos adquiridos’ acabam por prejudicar o futuro das empresas e respetivos postos de trabalho”, salienta o economista.

Especialistas temem menos postos de trabalho e investimento com diferenciação da TSU

A penalização das contribuições pagas pelas empresas pelos contratos a prazo é uma medida positiva para especialistas contactados pela agência Lusa, embora temam que possa levar a uma perda de postos de trabalho e à fuga de investimento.

Numa altura em que o Governo está a debater com os parceiros alterações à lei laboral para combater a precariedade, o professor João Cerejeira, da Universidade do Minho, considera que a penalização da Taxa Social Única (TSU) paga pelas empresas que recorram excessivamente a estes contratos é uma medida que "vai no bom sentido".

No entanto, o economista considera que "é importante ver até que ponto é que parte desses contratos vão ser efetivamente convertidos em contratos sem termo ou se se pode verificar uma perda líquida de postos de trabalho".

"Há empresas que provavelmente vão preferir contratar menos a prazo e a alternativa não vai ser criar novos postos de trabalho de contratos sem termo", receia o professor da Universidade do Minho, acrescentando que as empresas "podem até ter um incentivo maior a externalizar determinadas situações para outras empresas, através de subcontratação".

Isto porque, segundo João Cerejeira, faltam estudos – quer do Governo, quer a nível europeu – que sustentem que a subida da TSU nos contratos a termo garanta um aumento do emprego nos contratos sem termo.

Já Nuno Morgado, coordenador da área de trabalho na sociedade de advogados PLMJ, alerta para os riscos de "voltar a um ambiente legislativo mais restritivo", admitindo que, embora possa ser benéfico para os trabalhadores, isso gera dificuldades "muito significativas para as empresas".

"Hoje em dia temos um crescimento muito assinalável em termos económicos, espero que não seja prejudicado com medidas que podem ser mal interpretadas por investidores", afirmou.

O especialista da PLMJ admite que a diferenciação da TSU possa vir a afastar investimento, sobretudo se a medida for conjugada com o regime de cessação do contrato de trabalho, que, em Portugal, é "particularmente restritivo", considerou.

Recorde-se que, recentemente, a Comissão Europeia reiterou que a legislação laboral portuguesa está a limitar a contratação de trabalhadores permanentes pelas empresas, defendendo por isso que Portugal ainda tem espaço "para ir mais longe em reformas que reduzam a proteção laboral excessiva nos contratos permanentes".

"É uma realidade. É um regime particularmente regulamentado, com bastantes requisitos, em algumas formas de despedimento difícil de entender e, portanto, gera receios a quem está a tentar conduzir um negócio", defendeu o especialista da PLMJ.

Pelo contrário, o professor da Universidade de Coimbra José Reis entende que a posição da Comissão Europeia "é profundamente ideológica" e de quem "merecia chumbar num exame elementar de economia", porque "não percebe uma coisa básica: as relações económicas são sempre relações com vários aspetos".

Segundo o professor, um salário, por exemplo, é um custo para a empresa, mas também fornece o rendimento para que se possa consumir aquilo que se produz.

José Reis responde que não há "uma solução mágica" para resolver a segmentação do mercado de trabalho e admite que a diferenciação da TSU pode ser uma hipótese, mas insiste na necessidade de "introduzir uma relação saudável no mercado de trabalho".

"É a altura certa para fazer as alterações que alterem as formas de degradação das relações laborais que tivemos nos últimos anos. E nunca é a altura certa para fazer as alterações que a ideologia liberal propõe. Nós temos em Portugal uma necessidade urgente de repor relações laborais que valorizem o trabalho, as carreiras e a estabilidade laboral", defendeu.