Conhecem-no com uma gafe. Na apresentação do caderno do cenário macroeconómico que o Partido Socialista, liderado por António Costa, quer levar às eleições legislativas de 2015, Mário Centeno, um académico, baralha-se nos números. A proposta é fazer diferente. Derrotar a estratégia que o governo PSD/CDS-PP havia seguido nos quatro anos anteriores.

No dia das eleições legislativas, porém, o PS de Costa não conseguiu segurar votos suficientes para governar, mas nada estava decidido. A coligação de direita Portugal à Frente, ou PaF, foi empossada pelo então presidente da República, Cavaco Silva, para um Executivo de onze dias. Depois, numa inédita solução, Bloco de Esquerda e Partido Comunista seguram um governo minoritário socialista.

É assim que Centeno chega às Finanças, em 2015. E as propostas que traz põem as campainhas a tocar um pouco por todo o lado. Quando já era quase certo que Centeno estava a caminho do Eurogrupo, Marcelo dizia: "Quando olham agora para Portugal olham para o país que tem o presidente do Eurogrupo. Não é exatamente a mesma coisa. Era um patinho feio, para muitos, muito feio, há dois anos, e agora, de repente, é um cisne resplandecente. Isso faz toda a diferença". Hoje, o sino que toca é o que Centeno recebeu das mãos de Jeroen Dijsselbloem. O fenómeno Mário Centeno começou antes.

O ministro das Finanças português deu a volta às contas públicas. A imprensa internacional olha para isto e vê milagres. A oposição via cenários menos divinos. Previa o diabo ao virar da esquina, mas a cada canto, a economia portuguesa parecia conseguir melhores resultados. Resultados históricos. Da queda do desemprego à saída do Procedimento por Défices Excessivos.

Nem tudo foi pacífico para Centeno. A contestação em torno de alegadas negociações com António Domingues, que fora a escolha inicial para presidir à Caixa Geral de Depósitos, levou a que o ministro pusesse o lugar à disposição de António Costa. O primeiro-ministro, reafirmou a confiança em Centeno, mas o equívoco permaneceu. O ministro chamou-lhe “erro de perceção mútuo”. Em causa estava a alegada existência de um acordo com Domingues para isentar a administração do banco público da entrega das declarações de património no Tribunal Constitucional.

Outro dos defeitos apontados ao ministro da Finanças português são as cativações. Os serviços públicos, como a Saúde ou a Educação, reclamam por mais fundos, que, apesar de estarem alocados, não podem ser usados sem a autorização de Centeno. A medida preserva o défice, e explica parte dos resultados históricos que o ministro socialista tem alcançado.

Hoje a União Europeia vê Centeno com outro olhos, como o aluno rebelde que se começou a portar bem. É que, em 2015, quando António Costa e os partidos da esquerda prometiam “virar a página da austeridade”, todos os alarmes soaram em Bruxelas — e Berlim. Portugal, diziam, estava a retroceder, a ameaçar voltar à vida anterior. As sanções estavam a caminho. O porvir assomava escuro à soleira.

Mas quando os partidos e alguma imprensa previam a fragilidade das notas de ‘rating’ da única agência que mantinha Portugal à tona, a canadiana DBRS, eis que o país segura o forte e sai do “lixo”. No ano passado, uma após outra, as agências de notação financeira melhoraram as perspetivas portuguesas.

Há vários fatores que explicam o sucesso económico português. Quer internos — e responsabilidade do ministro — quer externos — e responsabilidade do momento. O turismo, as medidas do Banco Central Europeu e a recuperação económica geral um pouco por todo o planeta, aliviaram a tensão sobre a economia portuguesa e ajudaram Centeno a virar a página. Há quem diga que virou a definitivamente a da austeridade. Outros, que apenas mudou o capítulo, embora permaneça no mesmo livro.

Até porque, da cética Alemanha, chegam palavras simpáticas para o ministro português. Como pode Centeno protagonizar uma revolução e ao mesmo tempo ser elogiado por quem alertou para o caminho perigoso? O atual ministro alemão das Finanças, Peter Altmaier, elogiou, em Berlim, “as competências” de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo, ao mesmo tempo que diz estar “comprometido totalmente com a linha política defendida” por Wolfgang Schäuble.

A primeira visita do novo presidente do Eurogrupo foi precisamente ao ministro alemão das Finanças, a 17 de janeiro. Numa conferência de imprensa após o encontro, Peter Altmaier disse que, houve “muitos acordos entre os dois, sobretudo nas questões pendentes que precisam ser resolvidas no Eurogrupo”.

Depois, o ministro alemão lembrou que a Alemanha apoiou a candidatura de Mário Centeno para a chefia do Eurogrupo, desde logo por “Portugal ter ultrapassado as suas dificuldades através de reformas estruturais e da implementação de medidas dolorosas” que levaram a que o país voltasse para “o caminho do crescimento”.

Para Altmaier, Centeno “tem tudo o que é preciso” para liderar o fórum informal dos ministros da zona euro, nomeadamente “competências económicas”, mas o ministro português é também “uma pessoa capaz de construir pontes, encontrar compromissos e agir num espírito de confiança e cooperação”.

A imprensa portuguesa presente, desde logo notou uma mudança no discurso. E atira, contundente, a evidência: até que ponto foi difícil para a Alemanha apoiar um ministro de um país do sul para a liderança do Eurogrupo — tendo em conta que a crise do euro foi globalmente vista como um confronto entre países do norte e do sul da Europa? Peter Altmaier afirmou que essa divisão “foi um erro desde o princípio”.

“A questão não é norte ou sul, ricos ou pobres, a questão é bem-sucedidos ou não, competitivos ou não. É do interesse de todos na Europa encorajar a produção de prosperidade na zona euro. A prosperidade constrói-se só quando se é competitivo, quando se pode criar mais emprego, ter oportunidades de emprego para os jovens e é algo com que a Alemanha está totalmente comprometida”, defendeu.

O ministro alemão reiterou que a Alemanha está muito “orgulhosa de ver as melhorias registadas em Portugal”, mas disse que continua na linha do seu antecessor, Wolfgang Schäuble, conhecido pela defesa das medidas de austeridade.

“Já disse a todos os meus colegas no Eurogrupo, em novembro, que como ministro das Finanças interino sinto-me totalmente comprometido com a linha política alemã que foi apresentada e defendida por Wolfgang Schäuble durante tantos anos. Há uma continuidade, mas isso não exclui que todos sintamos que a Europa tem de avançar e temos de conseguir mais resultados, mas na base dos princípios que sempre defendemos”, avisou.

Ainda assim, Altmaier não é Schäuble. E os jornalistas portugueses logo quiseram saber se, para Centeno, isso significa mais liberdade. Mas o ministro das Finanças diz que nunca se viu arredado dela: é que, diz, “quando se está num projeto vencedor não há restrições para a liberdade” e que agora é o líder de um grupo que representa 19 países “que convergem na ideia de tornar o euro mais robusto”.

“Se acredito se somos todos vencedores por participarmos neste projeto, só posso ver um futuro brilhante à nossa frente porque isto é o compromisso que temos connosco nos encontros e com os nossos cidadãos em cada um dos nossos países. Esta é a posição que sempre levei para o Eurogrupo e que vou promover de forma mais ativa, se for possível, já a partir de segunda-feira, em Bruxelas”, explicou.

Cerca de uma semana após ter tomado posse, recebendo o testemunho do seu antecessor, Jeroen Dijsselbloem, Centeno preside esta segunda-feira à primeira reunião do Eurogrupo. O encontro tem como ponto forte em agenda o programa de assistência à Grécia, mas também as conclusões da mais recente missão de vigilância pós-programa a Portugal, a sétima, realizada entre 28 de novembro e 6 de dezembro de 2017.

Na conclusão da sétima missão pós-programa, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu consideram que a recuperação económica de Portugal "voltou a ganhar ímpeto", mas alertaram para que o ajustamento estrutural planeado "está em risco de se desviar significativamente" dos requisitos europeus, considerando por isso importante "conter o crescimento da despesa pública" e "utilizar os ganhos resultantes de uma redução da despesa com juros, para acelerar a redução da dívida pública”.

As missões pós-programa a Portugal continuarão até que pelo menos 75% do valor dos empréstimos concedidos ao abrigo do programa de assistência (cerca de 78 mil milhões de euros entre 2011 e 2014) tenham sido reembolsados.

Os ministros das Finanças da área do euro irão igualmente apreciar o programa de assistência em curso para a Grécia, o único país atualmente sob programa, devendo saudar os progressos feitos no quadro da terceira avaliação do ajustamento e “a boa cooperação” que se verifica atualmente entre as instituições e as autoridades gregas.

Para este Eurogrupo, que assinala a estreia do presidente Centeno, está ainda prevista uma discussão sobre os passos a dar para a concretização daquela que tem sido apontada como uma das prioridades pelo novo presidente do fórum de ministros das Finanças do euro: o aprofundamento da União Económica e Monetária.

Com Centeno a presidir às reuniões, Portugal passa a ser representado por Ricardo Mourinho Félix, secretário de Estado das Finanças. Na mochila, segue uma dívida pública que pouco ou nada mexeu (e continua uma das maiores do mundo), seguem reformas várias e outras promessas antigas. A questão é se, estando o aluno sentado na cadeira do professor, os trabalhos de casa vão ser feitos na mesma.