Não foi ao acaso que a Forbes considerou Janet Yellen a 6.ª pessoa mais poderosa do mundo em 2016. À sua frente, apenas encontramos nomes como o do presidente russo Vladimir Putin (o primeiro da lista), o do presidente chinês Xi Jinping, do Papa Francisco, da presidente alemã Angela Merkel e, claro está, de Donald Trump, o recentemente empossado presidente americano.

Afinal de contas, Yellen é 'só' a líder da Reserva Federal americana (Fed), organismo que regula o mercado financeiro nos EUA, uma das principais economias mundiais. No fundo, 'manda nos dólares' dos EUA. Tendo sido a primeira mulher a sentar-se no topo da hierarquia da regulação financeira americana, a Forbes diz que Janet Yellen (que tomou posse em 2014) não é uma "mágica ou inovadora", assentando ao invés o seu poder através de "frases claras e de lógica fácil [de compreender], o que quase faz esquecer" que Yellen conduz "o principal motor do mercado" financeiro mundial.

Yellen vs. Trump, a história de um confronto

Donald Trump não é um fã do modo de atuar da Fed. Ainda antes de Janet Yellen ser eleita, já o agora presidente americano considerava que o organismo estava a "destruir o dólar" e que "quando a inflação atingir a economia, ainda mais empregos" sairão dos EUA para os países estrangeiros.

Mesmo durante a campanha que o elegeu, Donald Trump foi crítico da Fed e de Yellen, considerando que o organismo "não estava a fazer o seu trabalho" e que estava a ser "mais político" do que Hillary Clinton. Trump afirmou, inclusivamente, que a líder da Fed "deveria ter vergonha de si própria" por manter baixas taxas de juro e criar uma "falsa bolsa de valores".

Yellen, por seu turno, também não é propriamente fã de Donald Trump. Depois de ter confirmado que tencionava manter o seu mandato até ao fim, mesmo depois das críticas de Trump durante a campanha, a líder da Fed declarou recentemente que não iria "dar conselhos ao futuro presidente relativamente à sua conduta", quando confrontada com o impacto que algumas das suas declarações no Twitter poderiam ter na economia americana.

Recorde-se o caso de um tweet de Donald Trump em dezembro, onde referia que os custos do novo Air Force One (avião presidencial), construído pela Boeing, estavam "fora de controlo" e pedia para "cancelar a encomenda". Como resultado, as ações da Boeing baixaram 1% durante esse dia, numa desvalorização que em termos de valor de capitalização bolsista da empresa (o valor de cada ação em bolsa multiplicado pelo número de ações) caiu cerca de mil milhões de dólares. O valor das ações da companhia aérea acabaria por recuperar, mas a verdade é que é difícil de pensar que o tweet de Trump, que ainda não tinha tomado posse, não tenha tido impacto nesta desvalorização temporária.

"Estamos a falar de uma relação que não é propriamente de amigos", diz Bruno Janeiro, analista da Activotrade, plataforma onde é possível realizar operações em bolsa. E prossegue, referindo que esta "relação poderá vir a ter consequências negativas para a economia".

"As medidas de Donald Trump são medidas populistas, de redução de impostos, de investimento em infra-estruturas", prossegue o analista, "e isso poderá provocar um aumento no crescimento do PIB [dos EUA], mas também a uma aceleração da inflação norte-americana". E a inflação, diz Bruno Janeiro, é "uma das principais componentes" analisadas pela Fed para a tomada de decisões relativamente à política monetária dos EUA. Ora, um aumento da inflação "poderá levar Janet Yellen a acelerar a subida gradual das taxas de juro durante o ano de 2017" e tal poderá ser prejudicial para os mercados acionistas.

Esta subida das taxas de juros visa, em termos simplificados, 'aumentar o preço do dinheiro', por assim dizer. Se o preço do dinheiro aumenta, é normal que a 'procura' baixe, que haja menos disponibilidade para comprar. E se a procura baixa, é também normal que os preços, de uma maneira geral, baixem também, diminuindo assim a inflação. No fundo, é uma medida que visa 'artificialmente' modificar a chamada lei da procura e da oferta, que estuda o comportamento dos consumidores na aquisição de bens ou serviços, consoante as suas quantidades disponíveis para venda e respetivos preços.

Adicionalmente, termina Bruno Janeiro, "este é um ano muito importante na Europa, nomeadamente em termos políticos: vamos ter em maio eleições em França, em setembro teremos eleições na Alemanha", pelo que "este sentimento contra o sistema implementado" poderá contagiar as votações nos dois países, pilares da União Europeia, e, caso "venhamos a ter surpresas negativas nessas eleições, obviamente que poderemos vir inverter totalmente a tendência que, para já, se tem estado a verificar e, por sua vez, isso irá contagiar as principais" bolsas mundiais, conclui o analista.

Esta terça-feira, 14 de fevereiro, Yellen dirigiu-se ao Senado admitindo a possibilidade de vir a aumentar as taxas de juros ainda este ano. A presidente da Fed deixou ainda alguns recados a Donald Trump, apelando à prudência na definição das políticas orçamentais do novo Executivo americano.