Vestido de preto, Ho Chio Meng, de 61 anos, entrou com postura confiante na sala de audiência, cumprimentou os presentes, incluindo os jornalistas, e levava consigo um maço de folhas e um caderno de notas.

Pela postura exibida em tribunal - Ho Chio Meng levantou pelo menos cinco vezes a mão para pedir a palavra - o antigo procurador deverá prestar declarações na parte da tarde.

"Acho que sim, mas depende da vontade dele", disse aos jornalistas o advogado de defesa de Ho Chio Meng, quando lhe perguntaram se o seu cliente ia falar hoje em tribunal.

Ho Chio Meng, que liderou o Ministério Público de Macau entre 1999 e 2014, é acusado de mais de 1.500 crimes, incluindo burla, abuso de poder, branqueamento de capitais e promoção ou fundação de associação criminosa, em autoria ou coautoria com outros nove arguidos. Esses nove arguidos serão julgados num processo conexo, a partir de 17 de fevereiro, no Tribunal Judicial de Base (primeira instância).

Segundo a síntese da acusação lida hoje em tribunal, Ho Chio Meng seria o chefe de uma associação criminosa criada com o irmão e o cunhado que, por via de uma dezena de empresas de fachada, conquistou adjudicações por ajuste direto de obras, serviços e bens do Ministério Público (MP) de Macau.

As adjudicações envolveram contratos de natureza muito distinta, desde manutenção de detetores de metais a serviços de limpeza de tapetes ou ações de prevenção da formiga-branca. A maior parte dos contratos foram celebrados entre 2006 e 2014.

Uma dos detalhes da acusação hoje conhecidos que mais surpreendeu prende-se com a alegada existência de uma sala de massagens em frações no edifício "Hot Line", arrendadas pelo gabinete do procurador, que funciona no mesmo prédio.

Segundo a acusação, os trabalhos relacionados com a "sala de descanso para docentes" foram classificados como confidenciais. À porta da sala não havia nada que a identificasse como sendo do Ministério Público e terão sido dadas instruções para os telefones nem sequer constarem da lista interna de contactos e para o acesso àquele espaço ser vedado a outros funcionários do MP.

Essa suposta sala de massagens tinha, segundo a acusação, equipamentos como colchões, madeiras valiosas, mesas de bilhar e coleções pessoais de Ho Chio Meng.

Foram feitos contratos de arrendamento até 2014 desta sala, sempre segundo a acusação, que refere que neste espaço esteve parte de uma madeira valiosa apreendida pelos Serviços de Alfândega de Macau, em relação à qual havia um inquérito em curso, tendo Ho Chio Meng acabado por devolver parte da mesma. A mesma madeira foi encontrada numa vivenda pessoal do antigo procurador.

Ho Chio Meng é também acusado de ter criado um posto de trabalho fictício para uma pessoa que supostamente seria a responsável pela cooperação entre Macau e a China no MP. Todas as despesas relacionadas com esta pessoa, como os salários, regalias e conta de telefone, eram pagas pelo gabinete do procurador.

A acusação considera ainda que para encobrir alegados benefícios ilícitos, Ho Chio Meng direta ou indiretamente comprou casas, parques e estacionamento e participações em salas de jogo.

Além disso, a acusação dá vários exemplos de desvios de verbas por Ho Chio Meng para seu benefício ou de familiares e outras pessoas próximas, como despesas em viagens ao exterior.

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Lusa/fim