"Operação Angola - Sessenta estudantes africanos extraídos do Portugal de Salazar" ["Opération Angola : Soixante étudiants africains exfiltrés du Portugal de Salazar"], das edições L'Harmattan, conta os bastidores de uma fuga clandestina em massa, de jovens angolanos, moçambicanos, são-tomenses e cabo-verdianos, incluindo várias personalidades que se viriam a tornar altos responsáveis políticos nos seus países.

Joaquim Chissano, que chegaria a presidente de Moçambique, Pedro Pires, que seria presidente de Cabo Verde, Fernando José Van-Dúnem, que seria primeiro-ministro angolano e Pascoal Mocumbi, que seria chefe de governo moçambicano, foram alguns dos 60 jovens que atravessaram o rio Minho de barca, dormiram numa granja, numa igreja e até numa prisão, em Espanha, até chegarem a França.

A edição original, em inglês, foi publicada em 2015 nos Estados Unidos, escrita por dois dos protagonistas da evasão secreta, Charles Harper e William J. Nottingham, dois pastores americanos que ajudaram os estudantes a sair de Portugal e a chegar a França, numa viagem "a salto", com passadores, barcas clandestinas, carros de luxo americanos e um autocarro Dodge.

Em entrevista à Lusa, William J. Nottingham, de 90 anos, considerou que "sem dúvida" também contribuiu, no seio desta operação secreta, para uma página que determinou a história das antigas colónias portuguesas, sustentando que "isto foi reconhecido numa reunião em maio de 2015, em Lisboa, quando Pedro Pires e Fernando Van-Dúnem discursaram".

Tudo começou com um apelo de estudantes angolanos à Igreja Metodista dos Estados Unidos para ajudar a sair de Portugal os jovens preocupados com a perseguição policial devido à sua simpatia ou implicação nas premissas dos movimentos de independência dos seus países.

O apelo foi ouvido e a Igreja Metodista americana contactou o Conselho Ecuménico das Igrejas que pediu à associação francesa Cimade - uma agência de serviços ecuménicos da Federação Protestante de França - para realizar a operação graças à sua experiência na evasão de presos destinados aos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.

"O doutor Visser't Hooft, secretário-geral do Conselho Ecuménico, considerou que era preciso ajudar e que só a Cimade podia fazê-lo porque sabia montar estas operações, exfiltrou muitos refugiados judeus para os Estados Unidos, Espanha e Suíça na guerra e sabia fazer papéis falsos", explicou à Lusa Alain Bosc, membro da Cimade que supervisionou a tradução da obra.

A operação contou com Jacques Beaumont, secretário-geral da Cimade entre 1956 e 1968, e Charles Harper ("Chuck") que conduziram, de carro, os estudantes até à fronteira com Espanha, no norte de Portugal, e William J. Nottingham ("Bill"), Kim Jones, Dick Wiborg, Dave Pomeroy que foram os motoristas na viagem de Espanha até Hendaye, em França.

Atualmente a viver em Highlands Ranch, no estado norte-americano do Colorado, William J. Nottingham disse à Lusa que foi "uma operação com proporções históricas" e que com o amigo Charles Harper, que morreu no ano passado, sempre quiseram "escrever um livro" a contá-la.

Mais de 50 anos depois, a obra acabou por sair, baseada nas suas próprias memórias, em conversas com os intervenientes e em testemunhos gravados em cassete, no outono de 1961, de três dos motoristas americanos estudantes de teologia.

Depois dos passaportes falsos carimbados pelas embaixadas do Senegal, do Gabão e do Níger em Paris, e de notificadas as autoridades francesas ao mais alto nível, as viagens aconteceram de 16 de junho a 2 de julho de 1961, em duas fases: na primeira fugiram de Portugal 19 estudantes, na segunda saíram 41.

Os primeiros 19 viajaram num Peugeot 404, num Plymouth, em dois DS, num Chevrolet e noutro Peugeot, mas a grande maioria do segundo grupo teve de se fazer passar por um "grupo de peregrinação" a bordo de um autocarro Dodge.

Todos temeram o repatriamento para Portugal quando foram parar a uma prisão em San Sebastián, mas "houve instruções que vieram de bem alto para libertar estes estudantes", explicou, também, à Lusa Alain Bosc.

"Houve influências talvez diretamente sobre Franco, provavelmente de De Gaulle ou do ministro Couve de Murville ou de Kennedy ou do departamento de Estado americano. O livro deixa entender isso, mas não há provas", afirmou o membro da Cimade.

Concluída a viagem, foram escassos os contactos posteriores entre os motoristas e os exilados e só passados 50 anos alguns se reuniram em Cabo Verde, em 2011, para lembrar "a fuga rumo à luta" num país então presidido por um dos antigos estudantes, Pedro Pires.

"Até à reunião de 2011, os que fugiram nunca tiveram a certeza sobre quem éramos e de onde veio o dinheiro para financiar a operação. Como muitos pensavam que éramos da CIA, não se sentiram motivados para entrarem em contacto connosco. O Pascoal Mocumbi ligou-me, uma vez, quando esteve com o Jacques Beaumont em Nova Iorque", concluiu William J. Nottingham.

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