Afd, Alternative für Deutschland, é a verdadeira direita, como não se via desde 1945, mas com o visual e o vocabulário adaptado a 2016. Não é uma falange nacionalista com suásticas e cânticos saudosos, ou grupos de jovens de cabelo raspado e botas cardadas e dar porrada nos imigrantes. Essas minorias, ilegais e marginais, nunca deixaram de se manifestar mas apenas servem para assustar os imigrantes e dar trabalho à polícia. A AfD não tem nada a ver com estes grupos aberrantes, embora os grupos aberrantes certamente votem na AfD.

Os analistas chamam à AfD populista, um insulto que mostra o medo com a força do partido. Essa força tem um número, desde as últimas eleições: 15 por cento. Quinze por cento é muita fruta, para um partido que defende o nacionalismo, o fecho das fronteiras e o retorno do orgulho germânico. A líder do AfD é uma mulher, também oriunda do Leste, como Merkel, e também não muito forte no capítulo do carisma: Frauke Petry. O que é forte em Petry é o modo como envolve o discurso nacionalista numa nuvem de suavidade que o faz parecer muito mais aceitável.

Por exemplo: os comícios da AfD têm sempre uma dose de contra-manifestantes de esquerda, agressivos e espalhafatosos. Chamam-lhe Adolfina e “die Führerin”. Resposta dela: “Não somos o tipo de pessoas que manda os outros calar”.

Petry costuma retorquir pessoalmente aos jovens que vão aos seus eventos, que geralmente são pequenos e em salas fechadas, o que permite o confronto audível entre as partes. A postura da Führerin não tem nada em comum com o estereótipo da extrema direita.

Doutora em Química, ex-empresária, casada pela segunda vez, com quatro filhos do primeiro casamento (com um pastor luterano), gosta de usar expressões latinas dos discursos e de ouvir Bach. Tem um ar saudável, pratica desporto, vive uma vida de classe média sem grande estapafúrdio. Não é uma oradora comovente ou convincente; parece mais uma professora a dar aulas. Mas o seu programa tem a precisão que os alemães gostam e, porque não admiti-lo, os europeus em geral também estão a querer, fartos de promessas titubeadas e posturas assumidas à socapa.

A AfD é contra as mulheres com a cabeça coberta e a construção de mesquitas. A polícia nas fronteiras pode fazer uso da força, se necessário; a Alemanha precisa de fazer um referendo sobre o euro; as tropas Aliadas estacionadas desde 1945 têm de se ir embora; o ensino de História deve basear-se mais nos aspetos positivos do passado alemão e menos nos crimes dos nazis. Uma das suas frases mais conhecidas é “o Islão não tem lugar na Alemanha”.

Petry não grita como Marine le Pen, nem se exibe qual galo de combate como o holandês Geert Wilders ou o húngaro Viktor Órban; mas as suas teses estão perfeitamente em linha com o nacionalismo e o anti-islamismo que a imigrações do Médio Oriente têm alimentado no continente. Aliás, o líder do Partido da Liberdade austríaco, Heinz-Christian Strache, que perdeu a eleição por uma unha negra, disse que gostaria muito de ver Petry como chanceler da Alemanha.

Foi há dois anos que a AfD conquistou os primeiros lugares nas assembleias regionais. Petry foi eleita pela Saxónia, um dos 16 estados federais alemães.  Com 15% dos votos a nível nacional, a AfD já ultrapassou os 5% mínimos para entrar no Parlamento nacional. No Mecklenburg-West Pomerania, o Estado natal de Ângela Merkel, em 4 de setembro passado, a AfD ficou em segundo lugar (atrás do SPD), com 20,8%, à frente do partido de Merkel. Isto é mais notável quanto nas eleições anteriores a AfD nem sequer tinha concorrido. Segundo Petry, o grande sucesso do partido nestes dois anos foi a decisão de Merkel de abrir as fronteiras aos refugiados sírios.

Os relatos vindos da Alemanha por emigrantes portugueses variam muito segundo os receios e cor política das testemunhas, mas é inegável que lá, como nos outros países europeus que receberam as maiores vagas, o clima mudou completamente. Há a natural desconfiança perante os recém-chegados, mas também há a postura pouco conciliatória dos próprios imigrantes, conforme muitos relatos. Os problemas de linguagem e de adaptação cultural são incontornáveis.

Frauke Petry não precisa de uma postura muito radical para beneficiar deste caldeirão quase em ebulição. As suas posturas de extrema-direita até podem parecer razoáveis, desde que ditas a pessoas devidamente assustadas em momentos de grande tensão. Segundo ela, é a imprensa alemã, com uma tendência liberal, que tem tentado desdramatizar as dezenas de incidentes, justificando-os um a um por motivos não racistas; na verdade há um padrão de inadaptação cultural e, insiste Petry, não há que procurar a adaptação. Os seus comentários batem nas teclas de sempre: “Fui visitar um centro de refugiados e é verdade que eles não estão bem instalados, mas também é verdade que vi comida e excrementos atirados às paredes e um comportamento incivilizado.(...) A maioria dos refugiados são uma ameaça a valores alemães, tais como a separação entre a igreja e o estado e a liberdade de imprensa. (...) Os que requerem asilo por vezes chegam duas horas atrasados à avaliação das comissões, enquanto aos alemães não se perdoa um atraso de quinze minutos numa marcação com as autoridades.” E assim por diante, uma longa lista que soa muito pertinente aos ouvidos dos eleitores.

A pergunta que se coloca neste momento é se a AfD irá roubar eleitorado aos democratas-cristãos (CDU), ou se a CDU se chegará à direita para impedir o crescimento da AfD. Até há pouco tempo, o patriotismo era mal visto na Alemanha, como um resquício do nacionalismo nazi; mas, à medida que os carrascos e as vítimas do nazismo vão morrendo, a nova geração vê o patriotismo como uma defesa justificável dos valores coletivos, tal como acontece noutros países. Nesta mudança geracional também o AfD sai a ganhar.

Parece quase inevitável que a alternativa para a próxima Alemanha inclua Frauke Petry.