Estes protestos de rua no Irão começam por ser o resultado da frustração dos cidadãos. As condições de vida pioram em contínuo: o poder de compra está a cair (quebra estimada em 15% nos últimos 10 anos), a inflação está a subir o custo de tudo (luz, gás, gasolina, tudo vai agora ficar mais caro), o desemprego agrava-se e é maior entre os jovens, e tudo isto num cenário de falta de transparência na gestão dos serviços do Estado. Há a noção de corrupção generalizada. O protesto, portanto, tem justificação.

Muitos dos que protestam reclamam pelo gasto em apoios generosos que o regime está a ter para sustentar aliados externos, como a Síria de Assad, a Hezbollah do Líbano, os xiitas do Bahrein, os Huti do Iémen e os desesperados de Gaza. Nas manifestações, há protestos contra os altos salários dos militares, nomeadamente os da fidelíssima Guarda Revolucionária, e pergunta-se quanto custa ter 50 mil soldados a sustentar o regime de Assad em Damasco.

Uma das palavras de ordem mais repetida nas manifestações tem o essencial do protesto: “Não é em Gaza, não é no Líbano, não é na Síria. É aqui, no Irão, que está a nossa vida”. Ou seja: venha o dinheiro para as pessoas, não para a guerra.

Não é surpresa que Trump expresse em voz alta grande simpatia pelos manifestantes de Teerão e das outras cidades do Irão. Para Trump, tudo o que debilitar o regime é bom. É assim que o presidente dos EUA está a ameaçar represálias pelos 400 manifestantes detidos nos protestos e pelos 21 que já morreram nos confrontos. Há muita especulação sobre a presença de “agentes estrangeiros” a fomentar e avivar os protestos. Embora seja evidente que os protestos começaram por ser espontâneos e legítimos, a interferência de agitadores externos (agentes por conta de serviços secretos dos EUA, de Israel e, eventualmente, da Arábia Saudita) e internos (as muitas forças rivais dentro do Irão) é uma hipótese muito credível.

O facto de as manifestações de protesto terem começado em Mashhad, segunda grande cidade do Irão, bastião do ultraconservadorismo religioso e do ex-presidente Ahmadinejad, reforça a hipótese de movimentos internos dos duros do regime contra o moderado presidente Rohani: deitam fogo sobre o descontentamento popular pela crise económica e o caro custo de bens de primeira necessidade.

Rohani nunca deixou de se demarcar dos falcões do regime e da sua máquina repressiva, cujo controlo escapa ao presidente e está muito na mão do ultraconservador poder religioso. É significativo que Rohani tenha, já com as manifestações em curso, reconhecido o direito ao protesto, desde que sem violência.

Os sinais atuais são inquietantes para o futuro próximo numa região onde escasseia a harmonia e a moderação:

- Trump está interessado na instabilidade em Teerão e ousará sonhar com o máximo enfraquecimento do regime.

-  Israel, com Netanyahu, também – o Irão é o alvo n.º 1 do aparelho político-militar israelita.

- Idem para a Arábia Saudita, conduzida pelo jovem e todo-poderoso príncipe Mohammad bin Salman, com a ambição de assumir a liderança na região.

- A linha dura do regime iraniano poderá explorar as denúncias de ingerência estrangeira como pretexto para um golpe que afaste a moderação ocidentalizada do presidente Rohani.

No meio de toda esta turbulência, a Europa, com a França à cabeça, tenta manter pontes e fazer negócios. Mas vale pouco.

As vítimas dos últimos dias – 21 mortos nas manifestações – são um alerta para o risco do quadro atual. Com a Guarda Revolucionária, que escapa ao presidente Rohani, ansiosa por entrar em ação.

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