No fundo, a esta escolha que reflete a subalternização da verdade comprovada perante a verdade sentida estão, evidentemente, acontecimentos precisos que marcam o ano que finda, em concreto as campanhas eleitorais para o Brexit e para a presidência dos Estados Unidos, ambas recheadas com afirmações e slogans que depois não resistiram ao fact checking, a verificação dos factos enunciados, mas isso não valeu como o essencial, porque o que se impõe é a crença de quem ouve ou lê.

Por exemplo: o candidato presidencial diz que isso das alterações climáticas não existe, é uma invenção de interesses chineses. E os fidelíssimos acreditam e tomam o que está dito como verdade definitiva. Porque a crença no líder como que faz correr um rio com corrente que engole tudo, também a verdade e o sentido crítico.

É a insuspeita The Economist quem este ano fez ressurgir e disparar esta expressão pós-verdade ao assentar num editorial que “Donald Trump é o máximo expoente da política da pós-verdade” ao conseguir fazer valer “confiança em afirmações que são sentidas como verdadeiras mas que não estão conformes com a realidade”.

São tempos desconcertantes para o jornalismo, cuja missão fundamental de apuramento da verdade dos factos é confrontada com o avanço desta pós-verdade. É uma realidade que faz o jornalismo ser cada vez mais precioso. A sedução do jornalismo de investigação ficou evidenciada e premiada com Spotlight, o filme que mostra a paciente, persistente e digna pesquisa jornalística focada em abusos sexuais de sacerdotes sobre menores em Boston, filme sobre o ofício diário da reconstituição dos factos, consagrado como o melhor deste ano nos Óscares de Hollywood.

Mas também é evidente que há um grande número de pessoas que parecem desinteressadas da verdade como valor absoluto, preferindo ir pelo caminho das crenças ou convicções. Os programas nas rádio e televisões onde os ouvintes têm a palavra são exemplos frequentes deste desvio que coloca os desejos como verdade. Nos serões televisivos, a maior parte das vezes, a opinião sobrepõe-se à essência dos factos.

Ao mesmo tempo, constata-se a queda do pudor, com cada vez mais gente a despir-se psicologicamente nas redes sociais, praça pública para a exibição de sentimentos, emoções, obsessões, desejos, paixões e raivas.

As redes sociais têm sido um campo fértil para a instalação e difusão da pós-verdade que nos faz perder a verdade. Faz sentido refletirmos sobre onde fica a verdade quando em vez de factos o que temos são interpretações.

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Portugal contado na BBC: será verdade que vivemos contentes com o descontentamento?

Será verdade que a Europa vai mergulhar na próxima semana num ainda maior turbilhão político? A Europa parece à beira de ter, com a eleição austríaca, um primeiro país com presidente de extrema-direita. E o referendo de domingo em Itália tende a derrotar o primeiro-ministro Renzi e a precipitar uma crise capaz de entrar em espiral pela Europa do Euro.

Parece ser verdade que a esquerda francesa, cinco anos depois de ter conquistado a presidência e o governo está a cinco meses de ser posta de lado, estilhaçada e minoritária. O Libération põe as esquerdas francesas num Titanic. A escolha em maio próximo em França tende a ser entre um homem (Fillon) na direita da direita e uma mulher (Le Pen) na extrema da direita.

É um facto que quatro universidades portuguesas estão no ranking Times Higher Education entre as 500 melhores pelo mundo: Aveiro, Coimbra, Lisboa e Porto estão em posições entre a 401 e a 500.

Uma outra primeira página escolhida hoje: L' Équipe constata a unanimidade em torno do treinador Leonardo Jardim. É verdade que os resultados lhe dão o pódio.

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