A tarefa de Guterres é gigantesca: o encargo que tem pela paz e segurança no mundo também passa por mobilizar esforços para o combate pela erradicação da pobreza, pela redução de desigualdades, pela assistência humanitária, pela protecção dos direitos fundamentais neste tempo que passou a ser de sociedade tecnológica e globalizada, pela protecção do ambiente e estabilidade climática, pela eficiência nos esforços pela saúde, pela garantia de acesso a plataformas comuns de cultura e conhecimento. Conseguir tudo isto através de compromissos multilaterais.

Em fundo à tarefa de Guterres está a ambição de proteger e promover a vida de todos no mundo. É uma missão que diz respeito a mais de sete mil milhões de pessoas, para além de toda a natureza que nos envolve. Para realizar esta imensa tarefa Guterres conta com uma organização enorme mas com um aparelho burocratizado reconhecidamente envelhecida, acomodada, obsoleta em muitas das suas práticas, perdida em impotências. Estamos fartos de constatar como a ONU costuma chegar tarde – vá lá que, exemplo excepcional, para Timor foi possível conseguir alguma urgência eficaz, e muito do mérito para isso passa precisamente por Guterres, a par de Jorge Sampaio, com a resistência do povo de Timor, com a formidável mobilização da opinião pública portuguesa e a decisão determinada de Bill Clinton.

Neste tempo que temos, a sociedade internacional está em fase de deterioração, sentem-se ameaças graves, terrorismos, alarmante desprezo de princípios essenciais, perseguições étnicas e guerras que agravam pobrezas e empurram milhões de pessoas para a procura de refúgio fora da sua terra. É uma época de medo do outro.

Será que a paixão de Guterres pelos valores pode funcionar na ONU no tempo de Trump, Putin e os outros?

No primeiro discurso após jurar compromisso com a Carta das Nações Unidas, António Guterres reconheceu a necessidade de reconstrução das relações entre cidadãos e dirigentes políticos: é tempo para que estes “ouçam as ansiedades e entendam as necessidades dos cidadãos”. Falou de inclusão dos jovens. Também reconheceu a necessidade de a ONU se focar mais nas pessoas e menos nas burocracias. Insistiu em “promover a confiança” e “melhor servir a humanidade comum”.

Os media pelo mundo ligaram pouco a este primeiro discurso do novo secretário-geral da ONU. Vivemos uma época em que as mensagens são reduzidas a 140 caracteres no Twitter. Assim conseguem impacto ao mesmo tempo que oferecem convenientes ambiguidades no conteúdo, como ficou demonstrado na campanha de Trump. É um formato que minimiza as ideias, o debate e a verificação dos factos e que favorece quem tem pensamento pouco elaborado. A mensagem penetra sem intermediários, sem filtros nem interferências. Em vez de um discurso fica um título.

Cada época tem os seus modos privilegiados de comunicação. Lincoln, Roosevelt, Churchill ou Mitterand pronunciaram discursos que são peças literárias e que entraram para a história. Essa mestria também foi soberba em escritores que foram políticos e diplomatas como Stendhal, Neruda ou Octavio Paz. Kennedy e Reagan souberam explorar o poderio da comunicação direta com os cidadãos através da televisão.

Trump usou as redes sociais como ferramenta essencial para ser eleito. Introduziu a confusão entre propaganda e informação. É um modelo em que os argumentos contam pouco, o que vale é a onda de emoção e o entretenimento. Mentiras e manipulações ficam instaladas antes que algum jornalismo as desmonte.

Guterres anunciou que quer melhorar a comunicação das Nações Unidas. Esse objectivo vai naturalmente passar pelas redes sociais mas também é preciso que a complexidade seja exposta sem receitas simplificadoras. Falando verdade, como disse Guterres. O discurso inaugural confirmou que um homem decente é uma esperança numa época carregada de indecências.

A TER EM CONTA:

Alepo: a tragédia que está a acontecer. Agora. Tanta gente a precisar dramaticamente de apoio. E há o temor de que ainda possa vir pior.

Trump escolhe o amigo americano de Putin para o lugar de Kerry. Rex Tillerson, patrão do gigante petrolífero ExxonMobil, vai comandar a diplomacia de Washington. Tende a ter de enfrentar duros combates políticos no congresso dos EUA por conflitos de interesses.

As estrelas não querem dar música a Trump na cerimónia inaugural da presidência, a 20 de janeiro.

Revolução energética na América Latina: 53% da energia utilizada no subcontinente tem origem em fontes renováveis – face a 22% em média no resto do mundo.

À espera do cinema: os Globos de Ouro ao ritmo da comédia romântica La La Land. Também de Moonlight, drama sobre a construção da identidade – racial, social, sexual – de um jovem negro num subúrbio de Miami. É a abertura do cartaz para os Óscares.

Uma primeira página escolhida hoje: esta do NYT, que nos faz abrir os olhos. E há as várias com Cristiano Ronaldo: do France Football à Marca, passando pela Hungria e pelos desportivos portugueses.