Em teoria, essas vozes teriam razão. Na prática, esquecem ou desconhecem que os media são um dos mais relevantes barómetros de uma sociedade democrática - e nessa medida, qualquer facto que sobre eles ocorre revela mais do que a aparência indicia, e mede o estado geral do regime. Quando assistimos a um investimento fortíssimo de capitais angolanos nos meios de comunicação portugueses, não se trata apenas de negócio e números: estamos a falar de poder, influência, e capacidade de ganhar dimensão noutros negócios que se pretendem fazer. Da mesma forma, quando se anuncia desinvestimento, também se revela mais do que parece. E o que parece já não é, em si, famoso.

É verdade que, neste caso, os dois jornais (comprados pelos mesmo empresário por razões que têm pouco a ver com paixão pela imprensa…), são casos de insucesso económico e financeiro, e só são sustentáveis, no estado em que se encontram, com investimentos a fundo perdido. A não ser que haja superiores interesses políticos, económicos ou financeiros, ninguém quer ver o seu dinheiro ir pelo cano…

Mas a crise do i do Sol deixa ainda mais à vista a ferida que os media portugueses (e não apenas portugueses - ainda que, em mercados pequenos, como o nosso, seja mais visível) vivem desde há anos, e ameaça continuar a abrir-se até ao osso. É uma ferida em camadas sucessivas e com efeito dominó.

Começou com a estrutura do negócio, cujo tsunami Internet ainda não conseguiu reverter ou ver saída: a maioria daqueles que deixaram de comprar jornais não deixou de se manter informado - limitou-se a obter de borla, num telefone ou num computador, o que antes tinha de pagar. A esta mudança de paradigma, os jornais responderam inicialmente com altivez e presunção, mantendo a sua oferta, muitas vezes desperdiçando capital humano (o único que marca a diferença entre meios de comunicação…), acreditando que “a marca” fazia tudo. Não faz. Estão agora a acordar para a realidade, mas lutam com a segunda camada da ferida: a crise económica que entretanto mudou hábitos, refez planos de investimento publicitário, e também alterou as regras do jogo financeiro.

À crise económica e à crise estrutural, em si feridas difíceis de sarar, veio juntar-se a terceira crise: a da ética e dos princípios. Houve um tempo em que os media eram liderados por gestores e empresários verdadeiramente interessados no negócio da comunicação social. Não eram pára-quedistas que queriam ter notoriedade rápida, empresários interessados em veículos de comunicação para os seus negócios, políticos em campanha eleitoral. Eram gestores de media. Também esses - com a honrosa excepção de Francisco Pinto Balsemão - foram saindo de cena. Deram lugar àqueles que, hoje, com a maior facilidade compram um jornal, ou o lançam de raiz, para dali a dois ou três anos mudarem de ideias e venderem ou fecharem o que já não lhes parece “interessante”.

A palavra “interessante”, aliás, ganhou um lugar de honra no mundo dos negócios. É usada como sinónimo de lucro, não como interesse efectivo. Diz muito sobre a ética de quem anda por aí a mexer com a vida de quem trabalha, de quem hoje é aliciado para um “projecto de comunicação” apaixonante e amanhã está no desemprego sem perceber como nem porquê.

Podem dizer-me que é um sinal dos tempos - para mim, é um sinal do fim de um tempo. Para não dizer que é mesmo o fim de um tempo. A ferida não pára de crescer, e não vejo quem a queira tratar.

Os leitores, esses, foram à sua vida e não querem voltar a pagar o que subitamente, há uns anos, começaram a oferecer-lhes. No futuro, talvez tenham o que estão a pedir: nada.

Coisas que me deixaram a pensar esta semana

Enquanto as notícias sobre o mundo da comunicação social perdem a cor que a tecnologia lhes foi dando nas ultimas décadas, nasce mais uma revista em Portugal. A versão lusa da famosa Forbes norte-americana chegou esta semana ao mercado. Com um peço de capa arriscado, cinco euros, e muitas histórias de sucesso e empreendedorismo para compensar, nota-se que a revista tem um pé aqui, e outro em Luanda. Site, ainda não tem…

Sendo um produto comercial, e um projecto que mistura vida saudável com farmácias, não deixa de ser o mais inovador dos últimos tempos, e viral nas redes sociais: é o “Algo”. Algo para as ressacas, para o excesso de peso, para os abusos natalícios, para uma noite mais bem dormida? O algo faz perguntas e responde com cápsulas. O nome do site diz tudo: “Preciso de Algo”! Divertido e, quem sabe, eficaz…

Mais uma experiência de jornalismo online sem papel por trás. Pedro J. Ramirez, o mítico director e fundador do jornal espanhol El Mundo - que conseguiu criar, manter e competir, à direita, com o colosso El Pais, durante anos até aos dias de hoje -, depois de abandonar o diário, fundou agora o El Español, que além da qualidade da edição já ganhou um campeonato: é o caso de maior sucesso mundial de crowdfunding para um projecto jornalístico, com mais de 1 um milhão e 300 mil euros em caixa. Ler é de borla…