1) Os primeiros habitantes da povoação, que hoje se chama só Batalha, foram os primeiros construtores do Mosteiro e, portanto, a vila nasceu literalmente à sua sombra e ainda hoje ele é o seu centro urbano e identitário.

Sendo monumento nacional e Património Mundial, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória exigiu a criação de uma zona especial de proteção o que acabou por condicionar favoravelmente, desde há muitos anos, felizmente, o processo de ordenamento e construção urbana, de tal modo que a vila cresceu relativamente harmoniosa, sem grandes sobressaltos arquitetónicos, nem construções espúrias ou edifícios que pudessem degradar substancialmente o valor patrimonial do monumento e da própria povoação.

Também fruto de sucessivas gestões autárquicas onde imperou o bom senso e a sensibilidade – a vila sempre se reviu no “seu” mosteiro, procurando vias de desenvolvimento que harmonizassem a relação dos habitantes locais e o seu comércio com o interesse turístico e o crescente número de visitantes. Pelo que a fluidez urbana — a que não é estranha uma certa harmonia na forma como os diferentes espaços se interligam (estrada de acesso, praças, comércio, jardins, edifícios públicos, zonas residenciais), acaba por deixar a boa impressão geral – sobretudo ao forasteiro — de uma vila harmoniosa, cuidada, cativante e atrativa.

2) A criação de novos espaços verdes onde se destaca o Jardim dos Infantes, a requalificação do largo infante D. Henrique mesmo nas cercanias do monumento e ao mesmo a revitalização urbana e comercial da rua Nº Srª do Caminho, são obras que em tempo recente vieram acrescentar qualidade ao usufruto da vila, mesmo nas imediações do Mosteiro, a que acresce jardins cuidados e limpeza sistemática.

E, ainda, um Museu de grande qualidade, reconhecido nacional e internacionalmente, dá a dimensão de uma energia cultural que se potencia em coligação com o Mosteiro.

A requalificação do parque escolar e do parque desportivo, com estruturas muito bem equipadas, onde se motiva ao lazer, ao desporto e a práticas de manutenção física para todas as idades, é também de realçar.

E mesmos nas imediações do monumento, um conjunto de estruturas hoteleiras de boa qualidade e de alguns bons restaurantes, dão significativo apoio a uma vila cada vez mais visitada como destino turístico de excelência, tanto por portugueses como, sobretudo, por estrangeiros.

3) O Mosteiro da Batalha é o 2º mais visitado de todos os serviços tutelados pela Direção Geral do Património Cultural (DGPC), logo ao seguir ao Mosteiro dos Jerónimos/Torre de Belém, tendo sofrido um aumento de mais de 50 por cento do número de visitantes em apenas 3 anos, muito acima da média geral do aumento turístico a nível nacional.

Verifica-se que o crescente número de autocarros pejados de turistas começa a originar grandes constrangimentos de estacionamento, pelo que também se torna necessário equacionar novos modelos de gestão do fluxo automóvel, bem como equacionar novos espaços de estacionamento que permitam aliviar os apertos existentes no lado poente, no lado da entrada do Mosteiro.

E sendo uma vila turística, cada vez mais atrativa para uma permanência mais duradoura do visitante, a verdade é que a grande maioria dos visitantes passa, em média, pouco mais de 2 horas na vila, incluindo a visita ao monumento. Ganhar a “batalha” por uma maior permanência do visitante na vila e nos seus arredores é, neste sentido, um desafio que se coloca como prioritário para o futuro.

O “calcanhar de Aquiles”, finalmente, é a antiga estrada nacional, hoje IC2. Construída nos inícios dos anos 60, refletiu a visão que os políticos e técnicos tinham, naquela época, do melhor usufruto do monumento, do desenvolvimento da vila e da atração turística.

Os tempos mudaram e, hoje, essa estrada é uma equimose que retira valor excecional ao monumento.
A estrada, só por si, cortando a encosta a poente do Mosteiro, desvalorizou a paisagem envolvente prejudicando, desde logo, o Monumento. Mas a passagem do trânsito nessa via é, cada vez mais, um problema: é agressão paisagística, agressão sonora e ambiental (porque potencia a poluição, que ataca inevitavelmente a pedra do monumento) e, as “micro trepidações” provocadas pela passagem de milhares de carros pesados serão sempre prejudiciais para o monumento, ainda que mesmo a muito longo prazo.

A construção da variante A19 criou a expectativa do desvio significativo do trânsito pesado da IC2. Mas isso não aconteceu porque esta nova via não ficou, como seria legítimo esperar, isenta de portagens, e o monumento continua a ver a passagem de milhares de carros pesados mesmo a poucos metros da sua fachada.

Entretanto, o projeto de requalificação da encosta, a iniciar brevemente (com arvoredo protetivo, barreiras sonoras, etc), acabará por ser uma boa solução de recurso, mas não a solução ideal.

4) Mas o que é inegável é que uma vila que tem no seu centro um Mosteiro como o da Batalha, é, por natureza, uma vila privilegiada. Em última análise a relação física e afetiva tão próxima que os habitantes da Batalha continuam a manter com o seu mosteiro é, seguramente, uma riqueza para o futuro da vila e do próprio monumento.

Joaquim Ruivo é Diretor do Mosteiro de Santa Maria de Vitória desde 2013. Foi professor de História e presidente do Centro de Património da Estremadura, licenciado pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e pós-graduado em "Dinâmicas Religiosas no Mundo Contemporâneo" pelo Instituto de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa.

A Minha Terra é uma rubrica especial do SAPO 24 em que várias pessoas são convidadas a falar da sua terra, "à boleia" das eleições autárquicas do próximo dia 1 de outubro de 2017.