Opiniões é o que não falta. Comentadores profissionais e amadores, que tentavam explicar como seria possível uma vitória da direita radical em França, têm agora que dar, instantaneamente, uma volta de 180 graus para justificar a derrota do discurso do ódio – do mesmo modo que em “1984” do Orwell, o tribuno muda o nome do país inimigo no meio da arenga às massas.

Não que fosse certa a vitória da senhora, apesar de ter lavado as nódoas mais encardidas do partido do pai, o Front Nacional, e apresentar-se de cara lavada como a paladina da “França Primeiro”. O que toda a gente esperava é que Marine ganhasse a primeira volta das Presidenciais e depois perdesse a segunda contra outro candidato – qualquer um servia, desde que a derrotasse. E o que muita gente receava é que Marine, ganhando a primeira volta, conseguisse aumentar a pressão dos medos do eleitorado e ganhar a segunda. Afinal, os últimos tempos têm sido uma época de vitórias improváveis, como a de Trump e a do Brexit.

A narrativa de Marine, apesar de basicamente falsa, tinha que chegasse para convencer a tal população desempregada, abandonada e ressentida que está farta da conversa fiada das “elites” (políticos, intelectuais, jornalistas, banqueiros, especuladores...) que não têm sabido resolver os problemas do cidadão indefeso. Falsa, porquê? Primeiro porque aponta para um falso inimigo, os imigrantes. Não são eles que roubam os postos de trabalho que ninguém quer, nem são eles que andam a matar pessoas nas ruas – os terroristas, ou extremistas islâmicos, nasceram no país, com bilhete de identidade europeu. E também falsa porque promete um “renascimento” económico – mais empregos, mais empresas – que simplesmente não é possível no circuito globalizado. Ser “contra a globalização” não quer dizer nada, desde que não se promova uma política que torne a globalização um mau negócio – ora essa política não existe, como Trump está a descobrir. Mesmo que a Front Nacional expulsasse todos os estrangeiros, não acabaria com o terror; e se proibisse as importações, não faria com que esses produtos fossem fabricados em França. No entanto, Marine tem vender estas falácias a muita gente, inclusive aqueles que seriam prejudicados com a sua vitória.

Mas Marine perdeu a primeira volta, o que diminui geometricamente as probabilidades de ganhar a segunda. Mesmo concorrendo contra um candidato que representa, de facto, tudo o que o eleitorado está farto – a conversa fiada que, está-se mesmo a ver, não irá mudar nada. Porque Macron, o feliz vencedor da primeira volta, é exactamente o político “mais do mesmo” que diz o que for preciso para ganhar, com frases de efeito que lembram os paraísos prometidos pelos evangélicos.

Macron é um fenómeno. Há um ano ninguém o conhecia. O seu partido tem um nome, “Em Marcha”, que não significa coisa nenhuma. No espectro esquerda/direita, diz-se ao centro, ou seja, em parte alguma. Não tem um programa concreto, nem sequer abstracto; a sua grande proposta é “Promover o crescimento económico e as oportunidades”.

Quanto às esquerdas, tradicionais inimigas da direita, pulverizaram-se. O Partido Socialista (representado por Benoit Hamon) é mais um partido socialista europeu em perigo de extinção – ou, pelo menos, de insignificância. O outro candidato de esquerda que parecia ter alguma hipótese, Jean-Luc Melénchon, afinal não tem hipótese nenhuma.

À direita havia ainda Fillon, o representante do republicanismo conservador que esteve no poder até Sarcozy. Dizia-se que seria ele a enfrentar Le Pen, mas os escândalos de corrupção estragaram-lhe a festa. Os teoristas da conspiração dizem que foram os russos que lhe descobriram a careca, para dar força a Marine. Se é verdade, já não interessa.

Após os resultados desta volta, Marine Le Pen mostrou-se eufórica com o crescimento do Front Nacional, o que é verdade; mas crescer não chega, é preciso ganhar. Macron, com o seu discurso água com açúcar, é muito mais palatável para o centro e os eternos hesitantes. Até a esquerda não se importará de votar na manutenção do status quo que ele representa.

Ainda não foi desta que acabou a Europa. Putin vai ter de se esforçar mais.

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