Nas ruas, os taxistas têm feito de tudo, desde entupir o trânsito pontualmente a agredir os motoristas e os passageiros da Uber, além de furar pneus, insultar as pessoas e impedir carros "suspeitos" de largar passageiros no aeroporto ou nos hoteis. Nas redes sociais e nos comentários da internet, a discussão também atingiu níveis de conflitualidade normalmente reservados a grandes questões fracturantes, mas no sentido contrário às ruas: os utentes de táxis têm mostrado, sem margem para dúvidas, como detestam o serviço tradicional.

As queixas de má educação, veículos imundos e percursos aldrabados, há muito contidas por falta de sede própria, vieram cá para fora com um vocabulário comparável ao dos taxistas. Uma inevitável sondagem revelou que 80 por cento dos utentes está há décadas descontente com o serviço dos táxis, e mais de 60 por cento vê com bons olhos uma concorrência de melhor qualidade – não só pela qualidade em si, mas como uma vingança ressabiada contra as aleivosias de que tem sido vítima.

É natural que os táxis não queiram concorrência. Também seria natural que, em face à concorrência, melhorassem o serviço. Mas não. Optaram pelo velho sistema de atacar o concorrente, não só à pedrada, mas também com argumentos: a empresa não é legal, os motoristas não têm competência profissional, não foram treinados para o serviço com o curso da Antral e não conhecem a toponímia da cidade; os utentes não têm a protecção de um seguro em caso de acidente. E também se mostraram como vítimas: um táxi custa um dinheirão, os impostos são sufocantes, as exigências legais estilhaçantes.

Vamos passar por cima da competência profissional, que não se divisa nos táxis, seja lá o que for "competência profissional". Vamos ignorar o que possa ser o curso da Antral, que não será certamente de boa apresentação e trato cortês com o cliente. E também ignoraremos a questão da toponímia, uma vez que a maioria dos motoristas de táxi parece não saber onde fica a avenida Maria ou qual o sentido do trânsito na rua Manel. Finalmente, não anotaremos as voltas e contra-voltas para encontrar a maior distancia entre o ponto A e o ponto B.

Vamos antes fazer o que precisa ser feito: analizar as queixas dos taxistas e as acusações legais ou legalicistas que fazem à nova vizinhança.

Um táxi custa um dinheirão, de facto; não o carro, que é um veículo como qualquer outro, mas a licença de operação. E a licença é cara pela simples razão que a Câmara Municipal, com a desculpa que não convém haver táxis a mais na cidade, quer a procura superior à oferta e não dá licenças novas. As velhas são exactamente 3.445. O resultado deste estrangulamento, mantido pelo lóbi dos donos dos táxis, é que uma licença custa 100 mil euros. Bastava que fossem emitidas sem restrições, deixando o mercado funcionar, para que baixassem para um preço de emolumentos, digamos 100 euros. Mas isso não interessa aos donos das licenças já existentes, que perderiam uma mais valia mantida para os beneficiar.

Quanto aos impostos, são os mesmos impostos de qualquer negócio, IRC, IVA, licença de circulação, etc. Os táxis não pagam nenhum imposto a mais do que qualquer empresa ou indivíduo é obrigado a pagar. As exigências legais são as inerentes ao sector: carta de condução profissional de taxista e seguro especial de transporte público.

Vejamos agora o que é e como opera a Uber. A empresa em si é mínima, tem quatro pessoas em Portugal. Isto com uma sede europeia na Holanda, onde trabalham algumas centenas. Porque a Uber não tem praticamente existência material; é um programa de computador que gere toda a movimentação do negócio. Precisa de ter a plataforma a funcionar e uma nuvem para guardar e arquivar os dados, nada mais. Mas paga impostos, como qualquer empresa.

Não tem carros nem contrata empregados para os dirigir, ou seja, não investe capital. Logo, não tem as despesas de amortização desse capital. Não é uma malandrice, nem uma concorrência desleal; é apenas um passo em frente na prestação se serviços, que se reflecte em custos mais baixos para o utilizador.

A Uber faz contratos com "operadores de mobilidade", empresas que têm frotas de carros de aluguer (legalmente, veículos letra A, letra T ou CMT) que sempre existiram, sempre pagaram impostos e sempre utilizaram motoristas devidamente habilitados, treinados e barbeados. E que pagam impostos, as empresas e os motoristas, como toda a gente. Também usa motoristas avulsos, cadastrados nas finanças como "empresários em nome individual", com cartas de condução profissionais e seguros apropriados. Aliás, a Uber exige a todos seguros acima do mínimo legal: 50 milhões de euros mais 10 mil euros por passageiro, que lhe serão pagos imediatamente, antes das companhias decidirem culpas e inocências.

Ainda nas áreas da legalidade e da fiscalidade, como o sistema usa exclusivamente pagamentos por cartão de crédito, as operações são todas registadas e todos os intervenientes taxados conforme a lei. Não há dinheiro vivo, nem acréscimos ocultos, nem trocos por baixo da mesa, nem subfacturamento. Ao contrário dos táxis normais, a fuga aos impostos é impossível.

O que a Uber faz é por em contacto o prestador de serviços – um carro com motorista – e o utente – uma pessoa que quer ir depressa de um lado para o outro. Graças às maravilhas dos algoritmos informáticos, quando a pessoa pede um carro, o programa procura o veículo livre mais próximo e indica imediatamente ao utente a matrícula do veículo, o nome do condutor e o tempo de espera. Se a pessoa indicar o destino, também fica logo a saber o tempo e o custo da viagem. No final recebe um recibo com IVA e deve classificar o serviço, numa escala de um a cinco – assim como o motorista deve classificar o cliente.

Em Portugal há três tipos de serviço: o X, que é o normal, o Black, em que os carros são topo de gama, e agora o Green, com carros eléctricos. Os preços variam com o carro e também com a relação entre a oferta e a procura, em tempo real – esta última variável chama-se "surge pricing" é mais uma das vantagens da plataforma informática.

Há quem diga que a Uber é o futuro do transporte, mas na realidade é o presente. O futuro, será um serviço de partilha de veículo eléctrico, usando uma plataforma informática semelhante. O passado é andar de carroça ou... vocês sabem.