Mas neste momento histórico não há heróis. António Costa nunca poderá olhar um espelho e ver nele alguém que ganhou de um maior número de eleitores o direito próprio a ser primeiro-ministro - se os quase 20% de eleitores do PCP e do BE o quisessem a chefiar um governo teriam votado PS. E Catarina Martins e Jerónimo de Sousa viabilizam mas não se comprometem. Assinaram documentos separados de serviços mínimos e ficam inteligentemente fora do governo. De uma assentada, derrubaram um governo e fizeram outro refém. Na improbabilidade da aventura correr bem, lá estarão para dividir louros. Se correr mal, a responsabilidade é de quem tem as mãos no governo. Quem não gosta de investimentos de elevado risco onde só se repartem lucros e nunca prejuízos?

Certo é que nem os protagonistas de tão histórico momento se sentiram suficientemente orgulhosos da façanha para lhe darem a dignidade e solenidade que estas coisas costumam ter: documentos assinados de portas abertas para as televisões mostrarem e o povo ver, com os discursos da praxe e as habituais juras de amor. Não seria assim que se ajudaria a dar confiança ao país sobre a alegada nova política?

Não fossemos duvidar da existência do acto reservado, para a posteridade ficam três fotos amadoras, que mostram que os signatários nem se sentaram e lhes bastou uma esquina de mesa. Decididamente, não é assim que se registam actos históricos quando se acredita neles. À memória vem o registo feito com o telemóvel de Eduardo Catroga quando este fechou com Teixeira dos Santos o acordo que permitiu viabilizar o Orçamento do Estado de 2011. Cinco meses depois, o governo socialista cairia antes de chamar a troika.

Coreografias à parte, o conteúdo dos três documentos assinados pelo PS e pelos três partidos à sua esquerda é o reflexo da fragilidade do que se vai seguir e da falta de compromisso para além daquele que verdadeiramente os uniu: o derrube de Passos Coelho.

Nem de acordos podemos falar, porque eles próprios lhe chamam “posição conjunta sobre situação política”. Não uma, mas três posições conjuntas paralelas.

Lendo-os, ficamos a saber que BE e PCP não garantem ao PS mais do que a investidura e que a rejeição de qualquer moção de censura que venha da direita - contra a direita, sempre. De resto, não há garantias sobre orçamentos do Estado ou sobre a longevidade do governo. À esquerda, ninguém se compromete a não apresentar moções de censura próprias.

Será este o entendimento “estável e coerente” que Cavaco Silva pediu? Ele decidirá.

Certo, certo, só temos um conjunto de medidas que garantem o aumento da despesa e o corte de receita e um conjunto de generalidades que qualquer candidato a governante assinaria de olhos fechados: reforço da Saúde e da Educação, combate à precariedade e ao desemprego, mais apoio social e uma sociedade mais justa. E, claro, o fim da política dita de “empobrecimento”.

A questão que agora se coloca é como é que se vai passar para uma política dita de “enriquecimento”. Um enriquecimento sustentável e duradouro, e não um daqueles que tivemos na última década e meia que acabou com um pedido de resgate externo e com a troika por cá a impor as suas condições.

Se fosse com o aumento da despesa e com a distribuição de riqueza que o país não cria, já estaríamos bem instalados no pelotão da frente da Europa. Foi isso que fizemos durante décadas e, como se vê, o resultado não foi animador.

Foi isso que François Hollande prometeu há três anos e acabou a fazer o contrário. Foi isso que o Syriza jurou, com o resultado que conhecemos.

Vamos lá então repetir a fórmula para ver se o resultado é diferente. Boa sorte para todos nós.

Outras leituras

Nestas alturas não parece. Mas já fomos grandes e inovadores. Aqui está mais uma peça do puzzle, agora em Cabo Verde.

O céu a cair aos pedaços na nossa cabeça? Preocupante é que os peritos não saibam do que se trata. Depois de sexta-feira saberemos.

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