Porque nos parecem as viagens de ida sempre mais longas que as de regresso? Não pensamos muito nisso, mas é um facto. O editorial de Abril da revista francesa Philosophie, assinado por Alexandre Lacroix, coloca-nos esta questão sem nunca dizer que se está a falar de política, e da França e do mundo. Mas estando. Lacroix sustenta o nosso conhecimento empírico com dados de um estudo realizado pela equipa do investigador neo-zelandês Niels Van de Ven da Universidade de Tilburg que mostra que a viagem de regresso parece 22% mais rápida do que a de ida. Uma explicação natural para esta percepção - já que é de percepção que se trata - é o facto de,  quando nos dirigimos a algum sítio, termos os nossos sentidos despertos para a descoberta. Reparamos em detalhes, estamos atentos à novidade e ansiosos pelo ponto de chegada.

À volta, regressamos para o que conhecemos, pelo que o interesse esmorece e, literalmente, apenas damos pelo tempo a passar. É uma tese racional e comprovável pela experiência mas tem um senão. E quando viajamos de avião ou de noite e a paisagem não nos convoca para essa descoberta? Porque é que se mantém um interesse que já não é espacial?  Porque na realidade há algo mais forte do que a paisagem e que é a distância. A distância aguça o desejo porque se interpõe entre nós e o sítio onde queremos chegar. E isso faz-nos esquecer do tempo e prolongar a experiência.

Como diz Alexandre Lacroix, a distância que vai do optimismo ao pessimismo não é muito diferente da que se estabelece entre o desejo e a indiferença. O que nos traz até à política. No programa deste fim de semana do Eixo do Mal, exibido na SIC Notícias, Clara Ferreira Alves, uma das comentadoras residentes, referia-se aos franceses como uns “mimados”. Um povo mimado. E o que é uma criança mimada que não alguém difícil de se conquistar, enfastiado com o que a rodeia e pouco receptiva ao estímulo? Ou porque já tem ou teve tudo, ou porque, algures na sua educação de criança mimada, não aprendeu a valorizar a viagem, nem a de ida, tão pouco a de volta.

Escalando isto para o grande problema europeu, seremos nós não mais que uma União de mimados? Atendendo às múltiplas realidades que existem numa mesma União, esta generalização, como quase todas aliás, parece-me francamente desajustada. Mas somos, certamente, como diz a Philosophie sobre os franceses, pessoas com desinteresse pela viagem. Porquê? Porque não temos qualquer expectativa naquilo que nos espera. O que nos torna tristonhos, rezingões, deprimidos e em última análise presas fáceis de todos aqueles que nos acenem com um acelerador qualquer de expectativa, um tónico que nos faça sentir borboletas no estômago outra vez.

Curiosamente ainda na mesma edição da Philosophie, os editores decidiram convidar os cinco candidatos potencialmente elegíveis - Le Pen, Macron, Fillon, Melénchon e Hamon - para discutirem com filósofos um ponto central do seu programa eleitoral. Falta de comparência global, à excepção do candidato socialista, Benoit Hamon, o maior derrotado desta noite eleitoral, com apenas 6,2% dos votos. Hamon propôs-se discutir o trabalho com um especialista nas transformações do mundo laboral, Pierre-Yes Gomes. E propôs uma discussão interessante a partir do seguinte binómio: discutir o trabalho não apenas a partir da linha óbvia de divisão entre os que têm e os que não têm, mas a partir de outra derivada, os que vão felizes para o trabalho e os que apenas estão felizes por ter trabalho, mas não com a vida que têm. O que nos traz de volta ao tema dos franceses, e talvez europeus mimados, versus um resto do mundo esmagadoramente mais jovem que não sofre destas angústias e que entra porta dentro da Europa apenas preocupado em estar do lado dos que têm trabalho, sem considerações adicionais.

É neste momento e é nesta França que Emmanuel Macron e Marine Le Pen vão disputar a segunda volta das eleições francesas.

Que tipo de salvador irão preferir os franceses? Da pátria ou da economia? Um estudo recente  realizado pelo Pew Research Center que envolveu 15 mil inquiridos em 14 países procurou saber o que define a identidade nacional a partir de quatro pilares: a língua, as tradições e costumes, o local de nascimento e a religião. Em nenhum dos quatro tópicos, os franceses são os primeiros e, apesar dos 6,8 milhões de votos de Marine Le Pen, o local de nascimento e a religião, são bem menos relevantes para os inquiridos do que as tradições e costumes e sobretudo a língua. Pois é, a língua, a palavra, o discurso, um dos pilares da humanidade e da comunidade. Favorece isto Macron cuja máxima do seu movimento Em Marcha! é “fazer emergir as novas visões e os novos talentos”. Pode bem ser que sim, mas muito vai depender da paisagem destas duas semanas de viagem até à segunda volta, e já agora da expectativa no que se vai encontrar uma vez chegados ao destino.

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