(1) Festas e (2) gomas

Neste preciso momento, é provável que eu esteja numa festa com 20 miúdos a marinar numa piscina de bolas — e, cá fora, muita mãe e muito pai de sorriso amarelo a olhar para o telemóvel e a rezar para que os minutos passem depressa. As festas parecem uma sucessão interminável de bolos e músicas infantis aos berros — como as turmas têm uns 20 alunos, há umas 20 festas deste tipo.

Aliás, as festas infantis são agora uma espécie de indústria, com brincadeira encaixotada em blocos de duas horas. Há jogos, animação e bolo no fim — e há mesmo espaços que são verdadeiras fábricas de festas, cada uma com a sua vocação: umas viradas para o futebol, outras para a aventura, ainda umas quantas para a dança ou para a magia (é só preciso ter um pouco de imaginação).

Os pais sofrem, é verdade. Mas, mesmo assim, tenho de confessar: de vez em quando, até gostamos de estar ali entre os risos dos filhos e dos amigos deles. Conversamos e descontraímos um pouco (enquanto nenhum puto desata a chorar). Depois, há o melhor de tudo: temos desculpa para comer gomas sem ninguém achar estranho!

(3) Aranhas e (4) dinossauros

As festas são uma indústria infantil, mas não são a única. Há ainda as exposições de dinossauros, que são verdadeiras galinhas dos ovos de ouro. (Aliás, pelo que li, são mesmo galinhas, pois dentro das nossas capoeiras escondem-se descendentes longínquos do T-Rex e companhia. Quem diria? A tonta da galinha é o que sobrou desses bichos gloriosos — bichos que, pelos vistos, tinham penas. Isto, claro, ensinou-me o meu sobrinho.)

Estas exposições de que falo são uma espécie de circo com animais extintos. Os dinossauros lá andam com os seus rabos de plástico a dar a dar e, na boca, rugidos de gravador — o que, diga-se, é melhor do que guardar leões a sério em jaulas apertadas, embora menos interessante.

Ainda ontem fui com o meu filho e os primos ver uma dessas exposições. E foi vê-los a olhar para os bichos e a dizer-nos a nós, pobres adultos ignorantes, o nome de cada espécie. É uma verdade universal que uma criança numa exposição de dinossauros sabe mais do que o adulto que a acompanha. Faz parte da ordem natural das coisas.

Bem, isto tudo para chegar aqui: antes da exposição, enquanto caminhávamos até às portas da Cordoaria Nacional, o meu filho viu uma aranha e pediu-me logo colo. Estava com medo. Pois o engraçado é que, logo a seguir, perante bichos enormes com caudas prontas a derrubar qualquer adulto, ele já não sentia medo nenhum. Será porque distingue bem entre uma aranha verdadeira e um dinossauro a brincar? Talvez: mas também é verdade que, a certa altura, perante um dinossauro que não tinha nada de especial, também me pediu colo.

São os mistérios insondáveis dos medos e dos gostos de cada um. O meu filho tem medo de aranhas, mas não tem medo de dinossauros, excepto um ou outro — porque sim.

(5) Medos

Há outra coisa de que o meu filho tem medo: as festas de crianças de que falei no início.

Quando recebe um convite, diz sempre que quer ir — mas, quando lá chega, fica muito tempo a olhar para os outros, sem saber como entrar nas brincadeiras. Quando, por fim, uma hora depois (!), lá se atreve a começar, deixa a timidez de lado e é dos mais animados da festa (afinal, é também o menos cansado).

Porque será? Será que essa timidez vai aparecendo no jogo de sorte e azar que é o nosso confronto com o mundo? Será que já vinha com ele? Como é que ele ganha a personalidade que tem?

Não sei. Mas sorrio ao ver que ele já tem as suas ideias, as suas brincadeiras, as suas fraquezas e as suas forças — e também as suas teimosias. E, como todos nós, é também alguém que tem de aprender a lidar consigo próprio e com os outros. Faz perguntas, responde, conversa. Por vezes, fica calado a olhar para a cidade pela janela do carro. Eu espreito pelo retrovisor e sorrio.

Nós, pais, desde que ele nasceu, passámos a olhar para o mundo como o planeta onde vive o nosso filho — o que mete algum medo. É tudo mais perigoso, mas também é tudo mais importante e real.

E, para lá do mundo que passa lá fora, há aquela cara que já ninguém pode dizer que é do pai ou da mãe: é dele. Cinco anos depois, olho para esta criança e já não é apenas um filho: é uma pessoa concreta, com as suas conversas habituais, os gestos que só ele faz, palavras que só ele diz daquela maneira e uma forma única de adormecer embalado no carro.

Foi há cinco anos que o vi pela primeira vez — parabéns, Simão!

Marco Neves | Tradutor e professor. Autor do livro A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa e do romance de aventuras A Baleia Que Engoliu Um Espanhol. Escreve no blogue Certas Palavras.