Para já, ou seja, dentro de seis semanas, têm eleições legislativas e a próxima composição da Assembleia Nacional é uma incógnita. Macron, que há um ano não existia politicamente, não possui um partido que lhe dê maioria parlamentar. Tem até 11 de Junho para captar os órfãos da direita moderada e do centro — os republicanos gaulistas e pós-gaulistas — e formar algo que se pareça com uma força parlamentar suficientemente coesa para enfrentar o Front Nacional e os restos dos socialistas e das esquerdas sortidas. Tendo o poder na mão, Macron certamente que pode distribuir favores e fazer promessas aos candidatos conservadores, mas o tempo é curto. As eleições legislativas são uninominais em duas voltas, o que favorece os partidos maiores e prejudica os mais fracos. Mesmo esfrangalhados, os socialistas, comunistas e neo-comunistas ainda conseguirão deputados que cheguem para desgastar o Presidente e atrapalhar-lhe as iniciativas.

Outro problema de Macron é não ter um programa. Durante a campanha, e mesmo no discurso de vitória, ficou-se por generalidades patrióticas e lugares-comuns económicos. Chegou ao poder porque as forças tradicionais, com programas definidos, nada fizeram quando detinham esse poder. É um outsider, sem especificar o que seja estar outside. Sabe-se que favorece a Europa e o empreendedorismo e que tem uma agenda favorável às minorias sexuais e étnicas. Pouco mais. Vai ter de se definir rapidamente e mostrar que é um Presidente pró-activo e coerente.

Para mais tarde, isto é, dentro de cinco anos, os franceses terão de escolher novamente entre a direita nacionalista do Front Nacional e outras opções. O Front perdeu esta presidência mas cresceu percentualmente. Ainda não terá atingido o seu apogeu e tornou-se na maior — se não a única — oposição significativa ao Governo, com onze milhões de eleitores. Marine transformou um partido marginal e assustador numa força política bem organizada e pronta para crescer. As inseguranças que fizeram o Front florescer continuam a existir, e por cada atentado terrorista e incidente que envolva magrebinos, mais eleitores assustados escolherão o chauvinismo militante. Por cada fábrica deslocalizada, cada despedimento e cada crise económica, lá estará Le Pen a dizer que tem a solução mágica.

No seu discurso de derrota, Marine disse que tinha ganho terreno — uma vitória dos “patriotas” contra os “mundialistas”. Recusou assim, implicitamente, a velha separação entre “direita” e “esquerda” — porque não lhe convém, uma vez que continuará a tentar apoios nas antigas esquerdas, mas também porque esses conceitos, se ainda válidos, já não classificam as grandes opções económicas. A mudança tem-se verificado em eleições recentes, com um rearranjo de posições. É o que está a acontecer, agora mesmo, na Grã-Bretanha, em que os patriotas — melhor seria chamá-los nacionalistas — pró-Brexit estão a ganhar mais lugares no Parlamento, enquanto o discurso de Corbin, que insiste em falar com o vocabulário de esquerda, parece desactualizado e perdido no contexto da disputa. Os democratas liberais, abertamente mundialistas, estão a tirar-lhe votos. Theresa May, fraca ideóloga mas mais atenta aos interesses dos eleitores, joga afinal a mesma cartada de Le Pen: “nós” contra o mundo.

É neste ambiente “pós-moderno” que Macron terá de agir. Por um lado, irá buscar uma agenda globalista, que sempre foi a sua postura; mas por outro não pode fugir ao nacionalismo republicano que o poderá apoiar, esvaziando o mais possível a agenda do Front. Por outro lado ainda, convém-lhe ir buscar apoio aos socialistas — foi ministro de Hollande antes de iniciar a carreira a solo —, o que implica medidas favoráveis aos trabalhadores, como a manutenção da dispendiosa segurança social.

Surpreendentemente — a História está cheia destas surpresas — é a indefinição manhosa de Macron que lhe deu a vitória e o pode salvar nos próximos cinco anos, prometendo à antiga esquerda e jurando à antiga direita enquanto, basicamente, mantém a situação em lume brando. Tentará, indubitavelmente, aproximar-se de Merkel. Aliás já marcou a sua primeira visita internacional à kaiserina. O eixo Paris-Berlim, a coisa menos democrática que a União Europeia já conheceu, nos tempos de Sarkozy, agrada aos franceses. Manterá os incríveis benefícios que são a alegria dos agricultores gauleses. Resta saber como lidará com a imigração e a minoria muçulmana, um problema complicado para o qual a única receita, bárbara, é a do Front Nacional.

A União Europeia (e nós, portugueses, na enxurrada) está a salvo de momento mas não pode esperar redenção da parte do novo Presidente francês. Nestes tempos difíceis, é o melhor que se pode ter.

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