2016 não é para balanços, repito. Eu bem queria que fosse. É certo: nunca houve anos em que os choques se contassem pelos dedos das mãos, mas 2016 rebentou os dedos - como aquele lendário garoto da aldeia que não sabia lidar com foguetes, mas também não sabia lidar com um céu silencioso no réveillon.

Talvez esteja a exagerar, mas é exactamente a histeria o que me garante que 2016 não é para balanços, e eu bem queria que fosse. Estava decidido a partilhar hoje as minhas listas de acontecimentos, pessoas, filmes, discos ou livros que marcaram este ano, mas em jeito de balanço ajeitei-me para um bofetão. Não há distância para elegias fúnebres dum ano que, entre ilustres e anónimos, de morte em morte, vai provando que ainda está vivo. Escoiceia, não se balança.

Anteontem um camião assassinou e feriu pessoas numa feira de Natal em Berlim. Ontem uma alimária xenófoba, dirigente da Alternative für Deutschland, chamou às vítimas os “mortos de Merkel”. Fiquei em choque, quase me esquecendo que 2016 tem sido um ano de ontens e anteontens, de péssimos atentados que matam, e péssimas análises que moem. Queria fazer um balanço, mas acordei - e não foi com o cheiro do café, foi com a chávena quente a cair-me nas calças acabadas de engomar. Como é que nos compadecemos deste mundo que não se compadece de si? Como é que abanamos o estado das coisas depois de um ano que não se dá a balanços?

Tingido pelos piores, perdi o apetite para falar dos melhores. Se nunca há bons dias para o fastio, imaginem estes em que nos obrigam a enfardar tanta coisa: um ataque a uma mesquita em Zurique salta para a dezanóvima página dos jornais e ainda enfardo com uns quantos “é bem feita!”; um embaixador russo é baleado numa galeria de Arte e nem tenho tempo de ensaiar contagem decrescente antes de enfardar as primeiras piadas, de Jackson Pollock a Chris Burden, passando por Jorge Jesus; participo num evento de angariação de fundos a favor dos Médicos Sem Fronteiras e, até nisto, enfardo gás sarin facebookiano da liga portuguesa dos amantes de al-Assad. Foi-se o apetite. Sinto-me mareado num ano que nem sequer se balança. E ainda só vamos no fim.

Quando não foi o Mal a vitimar os nossos queridos entes desconhecidos, foi a própria morte a ceifar sem piedade os melhores. Está visto: a morte é um serial killer. Nisto o ano foi igual aos outros, mas o pior dos iguais. Foi mau e nunca mais acaba, dizemo-lo sem birras. Como é que, sem luz, 2016 projecta tantas sombras para o futuro? Sombras de urnas, sombras da ausência de urnas. Sombras das más notícias, sombras das boas notícias que precedem sempre as más. Sombras da guerra, sombras da paz a qualquer custo. Ninguém merece este meu pessimismo – que tem muito de Calvino & Hobbes (nenhum deles criança, nenhum deles de peluche) – mas fala o cansaço de quem queria escrever opiniões num dia de agressões. Metade do prazer de fazer listas de preferências anuais é ser-se injusto e imprudente, e hoje não é dia para injustiças ou imprudências; hoje 2016 é um ano mau. Amanhã tou melhor, como naquela canção dos Capitão Fausto que figuraria no meu balanço dos melhores de 2016, mas 2016 agora não é para essas coisas.

SÍTIOS CERTOS, LUGARES CERTOS E O RESTO

Boas notícias para quem ler isto na própria tarde em que está a ser publicado: ainda vão a tempo de assistir ao concerto “Por Alepo” que junta cerca de 20 artistas no Cineteatro Capitólio, no Parque Mayer. Para evitar precipitações políticas (e não acirrar os que dizem que Alepo está a ser finalmente libertada, os que dizem que Alepo está a ser irremediavelmente tomada, e os que dizem que Alepo é tudo isso e o seu contrário), o título aponta à solidariedade para com as vítimas civis nos conflitos sírios. A receita reverte na totalidade para os Médicos Sem Fronteiras. Até as pessoas que acham que primeiro devemos ajudar os nossos sem-abrigo estão convidadas a participar.

O Cinema Ideal em Lisboa podia ser aqui descrito como o cinema ideal - pela localização e, sobretudo, pelo facto de ter em cartaz (até 4 de Janeiro) o filme “Tempos Modernos” de Charles Chaplin. O mundo divide-se entre os que consideram este um dos maiores filmes de sempre e os errados.

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