Não estarei a escrever uma crítica literária, nem tampouco farei uma análise profunda ao livro – se o fizesse, com toda a extensão de tópicos que me apeteceria abordar (a tristeza, a finitude, a sociedade como reflexo do personagem e não o inverso), então encher-vos-ia de bocejos, ou irritar-vos-ia ao ponto de manifestarem esta firme resolução: “Não há prendas para ninguém este ano!”

“The Catcher In The Rye”, de J.D. Salinger

Eu sei. Recomendar o “The Catcher In The Rye” é como encontrar alguém no Café de S. Bento e dizer-lhe: “Recomendo o bife”. A verdade é que qualquer livro que atinja o patamar de “clássico intemporal” arrisca-se a ser intemporalmente recomendado.

Não vou abandonar o assunto do tempo, porque me parece conferir fascínio à maneira como encaramos este livro. O “The Catcher In The Rye” é muitas vezes (a meu ver, mal) referido como uma obra definitiva sobre a adolescência. Discordo dessa acepção, primeiro porque o livro não me parece definitivo sobre nada; o tempo em que decorre é demasiado particular. É um livro do pós-guerra (a 2.pª Grande) e só fará completo sentido se percebermos o personagem principal como um homem desse tempo. Ou seja, não é um livro definitivo porque não é um tratado social eterno, nem um compêndio de reflexões que vigoram em qualquer época. Segunda coisa: também não podemos considerar este um livro sobre a adolescência – é antes sobre um único adolescente. Um como nenhum outro. Um tão detalhadamente subjectivo, infantil e adulto, que não se pode tornar na voz de uma ou mais gerações. É apenas a voz dele próprio. A voz de Holden Caulfield – o narrador e personagem principal.

Não ficam por aqui as reflexões sobre tempo suscitadas pelo livro. Mesmo tendo sido uma publicação inicialmente enjeitada, este “The Catcher In The Rye” tornou-se depois num fenómeno duradouro. Consequentemente, muitos autores (alguns deles de renome) desde aí tentaram escrever as suas próprias versões modernas da obra. Se não foi imitado, o “The Catcher In The Rye” foi amplamente homenageado, emulado, citado. Os vários escritores que tentaram recuperar a ideia e o espírito do livro, fizeram-no actualizando-o às épocas e conjunturas em que escreviam. É depois espantoso perceber como o original consegue, quase sempre, ter um génio mais fresco, mais mordaz e até mais arriscado do que as obras que influenciou. Isto quase contraria a noção de progresso, a ideia de que o tempo nos põe sempre a andar para a frente.

Se por esta altura estão irritados com o uso do título “The Catcher in The Rye” em vez de qualquer uma das versões portuguesas, passo a explicar. Nenhuma tradução do título para a nossa língua parece ser plenamente satisfatória e, para além disso, o livro em inglês está na razão da minha escolha para hoje: primeiro porque o tenho visto por aí a um preço convidativo (edição da Penguin Books). Segundo, porque a questão da língua original, e da forma como é usada, foi determinante para que eu tivesse este livro na ordem do dia.

No último mês, o “The Catcher In The Rye” calhou-me em conversa pelo menos 3 vezes. Numa delas, tanto a minha interlocutora como eu concordávamos num aspecto essencial da obra, e que se prende com a linguagem dessa versão original. O coloquialismo, o vernáculo, o calão, todos eles nos parecem estranhamente actuais. Parecem actuais até quando lemos expressões mortas e enterradas há muito. Este parágrafo não escapa, mais uma vez, ao fascínio que a questão do tempo impregna no livro. Há uma frescura na linguagem solta e corrosiva de Holden Caulfield; chegamos a sentir familiaridade com a maneira de falar naquela Nova Iorque do final dos anos 40. Qualquer obra mais recente, com 20, 10, 5 anos, que tente reproduzir a maneira de falar de um jovem arrisca-se a ficar rapidamente datada. Por sua vez, no “The Catcher In The Rye” o narrador é tão sincero, obstinado, agreste e falível que, quer nos identifiquemos ou não com ele, vamos reconhecer a proximidade jovial e sublevada da maneira como se exprime.

É um grande livro, apesar de não ser extenso em páginas. Este ou outro, interessa que livros estejam nas vossas listas para prendas. Fica-vos bem, e fica-me bem recomendar. Se forem as aparências a levar-nos à leitura, então que sejamos todos uns vaidosões letrados.