Está na moda ter coragem para seguir os nossos sonhos e mudar de vida. Depois da vaga de pessoas atiradas de cabeça para um certo empreendorismo forçado, por culpa da crise e do desemprego que esta provocou, temos os jovens a quem faltam (outras) opções e sobram ideias. Também há os outros: os que têm ideias e (ainda) menos opções do que os jovens, porque já passaram da idade e não há incentivos para se largarem à aventura. Finalmente, o empreendedor.

Fala-se muito na importância da criação do próprio emprego, na necessidade de encontrar alternativas para corresponder a nichos de mercado não satisfeitos por uma oferta massificada das grandes empresas. Como começar? Tornar-se empreendedor não depende apenas da vontade e o desejo de criar algo de raíz. Resulta, em boa medida, da nossa capacidade para desenvolver relações, estabelecer conexões e conhecer as pessoas certas. Principalmente essas. Não tem de ser o paizinho a ajudar e não está dependente da famosa cunha, mas ter amigos ajuda muito.

Como concluiu o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, o meio socio-económico em que se nasce é determinante na nossa vida: a escola que frequentamos, os clubes a que pertencemos (e aqueles a que pertencem ou pertenceram os nossos pais) e as atividades em que nos envolvemos criam a nossa rede social que depois irá suportar o empreendedor. Se hoje é mais fácil subir na vida, ainda dependemos muito de apelidos para conseguir desbloquear uma certa estagnação social que o estudo revela.

Na verdade, há um trabalho que não acaba atrás da palavra freelancer ou empreendedor porque, mesmo com amigos, o trabalho não aparece se estivermos sentados à beira mar, esperando que a vida aconteça. A maior parte dos projetos de empreendorismo não se concretizam junto do grande público e, quando os clientes são particulares, até conseguirmos uma massa crítica razoável, a instabilidade é muito grande. É na relação com organizações de vários tipos que está o segredo da suposta liberdade do empreendedor. Dessa pessoa que largou tudo, seguiu o seu sonho e é (mais) feliz.

Também não chega migrar para o digital e esperar que tudo aconteça. Há milhares de websites, páginas de Facebook ou contas de Instagram de outros que fazem o mesmo que nós. Neste contexto somos, como na vida real, mais um escritor, mais um programador, mais um professor de ioga... A presença digital é um excelente cartão de visita para as empresas nos darem trabalho ou conseguirmos fazer o que faz um bom empreendedor: encontrar financiamento e criar um negócio. Dá mais trabalho do que o famoso "das nove às cinco" e, para algumas pessoas, garante a satisfação de dever cumprido, estimula-as a sair da cama mais cedo e de sorriso no rosto, mesmo que com um olho aberto e outro fechado (o empreendedor também tem sono).

Mas nunca se esqueçam do pormenor que faz a diferença e nunca é relatado: empreendedor não tem apenas amigos. Tem connections e amigos com nomes bonitos que têm outras connections, que é o mesmo que dizer que conhece as pessoas certas para que a sua ideia não seja apenas um sonho...

Paula Cordeiro é Professora Universitária de rádio e meios digitais, e autora do Urbanista, um magazine digital dedicado a dois temas: preconceito social e amor-próprio.  É também o primeiro embaixador em língua Portuguesa do Body Image Movement, um movimento de valorização da mulher e da relação com o seu corpo.

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