Foi ontem a madrugada pela qual tantos esperaram. Foi ontem que as conversas em sussurro vieram para a rua em clamor, sem receios ou olhares de soslaio.

Foi ontem que capitães juntaram os homens para mudar o estado das coisas.

Foi ontem que Paulo de Carvalho cantou E Depois do Adeus de José Niza e José Calvário.

Foi ontem que as mulheres passaram a conseguir sair do país sem precisar de autorização do pai ou do marido.

Foi ontem que o poema de Sophia tatuou para sempre o que todos sentiam. Esta é a madrugada que eu esperava | O dia inicial inteiro e limpo | Onde emergimos da noite e do silêncio | E livres habitamos a substância do tempo (*)

Foi ontem que a senhora dos cravos nos deu esse símbolo, mesmo que a história tenha várias versões.

Foi ontem que os estabelecimentos prisionais se abriram para deixar livre quem nunca deveria ter sido preso.

Foi ontem que se cantou Liberdade com a convicção de que o futuro seria melhor, seria nosso.

Foi ontem e foi agora mesmo, porque importa recordar o 25 de Abril, o que nos uniu, a razão para a luta.

*Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'O Nome das Coisas'