Donald Trump – Deviam desclassificar-me por fazer uma escolha tão óbvia. Aproveito este vergar de regras e, em vez de falar de Trump, vou contrabandear para aqui outro nome: Barack Obama. 2017 fica marcado como o primeiro ano após a presidência de Obama, e nota-se mais por demérito de Donald do que por mérito de Barack.

Sei que há polémica no que acabei de dizer, até pelos muitos canonizadores em vida do ex-presidente. Já eu nunca me assumi como um obamita cego, e várias vezes torci o nariz entre 2009 e 2017 (sobretudo no primeiro mandato de Obama). Agora, mais do que especificar políticas em que Barack e Donald diferem, há que lamentar a credibilidade e a esperança no bom-senso que, tragicamente, se perderam com a eleição de Trump. Foi-se ainda a elegância, foi-se o decoro, foi-se a coolness. Obama até podia ter sido só outro Jimmy Carter que, ao pé de Trump, ia sempre parecer um Abraham Lincoln.

Dá para contrabandear mais alguém? Chegue-se George W. Bush. Depois de Trump, até o odiado Bush passa de satanás ignorante para bonacheirão mal-informado. Hoje em dia, mesmo os media liberais dos Estados Unidos tratam Bush-filho como um filantropo simpático - coisa impensável há um par de anos. Efeito Trump, a embelezar tudo à sua volta pelo contraste pestilento.

Kim Jong-un – Quando John Watson fundou o behaviorismo, deu a entender que a hereditariedade andava sobrevalorizada no estudo dos comportamentos. Talvez John Watson estivesse a ignorar o ADN ditatorial, pois é uma sanguinidade que gosta de ver os outros a sangrar – passa de pais para filhos, e vai apurando geracionalmente a sua malvadez. Como explicar, por exemplo, que um jovem educado na ocidentalíssima Suíça (tal como uma Ursula Andress ou um Roger Federer) tivesse no ano passado levado a cabo 2 testes nucleares, lançado vários mísseis, executado centenas de concidadãos (incluindo familiares) e reforçado a sua posição enquanto uma das maiores ameaças à paz global? É mau sangue, acreditem.

Por cá, consta que ainda há quem defenda este monstro anafado. Ouvem-se rumores de que, em Portugal, existe quem duvida dos famélicos norte-coreanos, ou dessa ditadura dos Kim. Será possível?

Chega de sarcasmo. Brinca-se tanto com esta lealdade do PCP aos camaradas sanguinários da Coreia que, no fundo, já achamos todos que tal lealdade é um mito, um boato, uma piada só para descredibilizar os nossos comunistas. Mas (e citando o mais histórico dos vermelhos lusos) “olhe que não, olhe que não”.

Vladimir Putin – Há um ano, Putin escapou à minha lista de notáveis e foi só uma nota de rodapé. O controlo da imprensa de Putin é tão forte que até me controlou a mim, e eu nem chego a ser imprensa.

Suspeita-se, neste momento, que Putin tem o dedo em tudo, e suspeita-se que as meras suspeitas nada têm de meras. Não vou, contudo, demonizar Putin, que é um homem forte e hábil. Só lhe falta mesmo ser um democrata – que é o mesmo que dizer que só falta a Hannibal Lecter ser vegetariano.

Harvey Weinstein – A inclusão de Weinstein numa galeria onde constam mentecaptos com bombas atómicas não é descabida. Enquanto Trumps e Jong-uns nos accionam o pessimismo e fazem contemplar a possibilidade do fim do mundo, com Weinstein vem optimismo, e a quase certeza de um mundo melhor já em 2018.

Harvey Weinstein é aqui uma sinédoque, o nome que simboliza todo um extenso colectivo de abusadores. É o primeiro dominó tombado. O impacto positivo já se fez sentir com a discussão levantada, e com as condenações a suplantarem largamente qualquer outra reacção. Não dá para evitar o optimismo, não agora que uns vão perdendo medo de falar e outros vão ganhado pavor a abusar. Pouco, ou lentamente, alguma coisa terá de mudar – coisa essa que, de tão mediática, mudará o mundo (pouco, ou lentamente, nas piores hipóteses).

Nicolás Maduro – Sobre Maduro, há neste preciso momento uma expressão em espanhol que nunca fez tanto sentido ouvida em português: presunto implicado. Nicolas é um presumível suspeito de palermices, como o comprova esta questão do presunto natalício. Ele acusa Portugal de sabotagem, talvez ignorando que há poucos países tão chavistas (e consequentemente maduristas) como o nosso. Olhamos para o bigodudo venezuelano com a bonomia duma caricatura; pudera – há pernis de porco, passarinhos possessos, e almas penadas em túneis, tudo matéria para transformar a nossa ideia da Venezuela num alegre Sítio do Pica-pau Amarelo. Ditadura, miséria e criminalidade? – oh amigos, deixem lá de ser chatos sempre a reparar nos pormenorezinhos.

Edir Macedo - Edir Macedo não é um biltre à luz duma reportagem da TVI em 2017. Macedo é biltre desde 1977. Há 40 anos fundou a IURD, uma seita neopentecostal que, entretanto, se transformou num monstro empresarial. O “evangelho da prosperidade” (onde a doutrina da IURD foi assentando) é uma espécie de Ponzi divino, uma negação criminosa e oportunista dos mesmos Evangelhos onde finge assentar-se.

Em Portugal, felizmente, a Aliança Evangélica sempre repudiou a IURD ou os seus rebrandings. Mas, enquanto muitos de nós combatemos a islamofobia dizendo que terrorismo e islão não são a mesma coisa, poucos evitam meter no mesmo saco as igrejas evangélicas e seitas perversas como a IURD.

Talvez por ausência de questões étnicas, os evangélicos portugueses nunca foram tidos como uma minoria marginalizada – assim se ignora um historial recente de perseguições e ataques selvagens, com agressões físicas e preconceitos vários. A marginalização é tal que, em tempos antigos e obscuros, o próprio presidente da Comissão da Liberdade Religiosa em Portugal usou com desdém a palavra “fanatizados” para desconsiderar e generalizar a escumalha evangélica. Foi nesse ano longínquo de 2009, e o senhor tinha por nome Mário Soares. Ao contrário de Edir Macedo, em 1977 Soares ainda não era um biltre.

José Sócrates – Tinha preparado um parágrafo sobre a vilania de José Sócrates, sobre crimes esdrúxulos e desculpas esfarrapadas a povoarem 2017. Era um texto que recordava figuras patéticas em bons fatos e factos contestados por gente patética. Um texto cáustico e incisivo. No entanto, depois da comezaina de Natal tenho de cortar nos hidratos e nos advérbios de modo, por isso falta-me saúde para estar sempre a escrever “alegadamente” no fim de cada frase.

Sítios certos, lugares certos e o resto

Gente notável a escrever sobre gente notável. Até parece um ano notável.

Para mim esta é a melhor série de 2017, e também a melhor coisa que David Fincher fez em dez anos (desde Zodiac).

Não tenho bem a certeza se é o meu filme preferido do ano, mas tenho a certeza que está numa lista curta dos favoritos. Já que Adam Driver não integrou o rol de vilões notáveis de 2017 (com o seu Kylo Ren da Guerra das Estrelas), ao menos distingo-o por esta pequena pérola de Jim Jarmush chamada “Patterson”.

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